Sexta-Livre discutiu as tendências dos mercados elétricos mundiais e o papel das comercializadoras em um novo cenário de contratação de energia.
Em mais uma edição da Sexta-Livre, Luiz Maurer, ex-presidente do Conselho da Abraceel, estrategista e consultor de energia, foi o convidado para discutir as tendências dos mercados elétricos mundiais e o papel das comercializadoras em um novo cenário de contratação de energia. A mensagem principal da Sexta-Livre foi a necessidade de haver produtos no mercado que aloquem adequadamente o risco de intermitência das fontes renováveis.
Contratação de renováveis
Luiz Maurer falou sobre a evolução na contratação de renováveis ressaltando o modelo de feed-in-tariffs, a migração para leilões, a alocação de riscos de intermitência, variabilidade e congestão. Ressaltou, entretanto, que esse modelo não é sustentável por conta de alguns problemas, como utility scale ou GD em locais com melhores recursos, pois empreendedores não consideram outros custos de expansão, serviços ancilares, etc., e as plantas muitas vezes são localizadas em pontos congestionados e o custo acaba sendo socializado.
Ademais, a penetração crescente de renováveis gera desafios para o operador do manter o sistema funcionando adequadamente. Maurer cita que alguns países, como a Índia e a Austrália, já se deram conta que tal abordagem não é sustentável, e já estão conscientes de que não é possível expandir a geração exclusivamente por renováveis com contratos intermitentes e sem provimento de serviços ancilares pelas plantas.
Mudança de paradigma
Em sua visão é necessário haver a mudança de paradigmas em nível mundial, pois os empreendedores têm condições de gerenciar, ainda que parcialmente, esses riscos. Custa muito caro gerenciar a expansão apenas centralmente e em alguns casos isso se torna impossível e é preciso revisar os produtos (contratos de energia), de tal forma que os riscos e custos resultados da variabilidade e/ou intermitência sejam adequadamente alocados. Entretanto, deve ser obedecida a premissa básica de que os contratos legados devem ser respeitados.
Maurer citou ainda exemplos dessa mudança de paradigma, que já vem ocorrendo em alguns países, citando como exemplo de problemas os primeiros contratos de renováveis que foram introduzidos. Nesses, praticamente o pagamento era baseado em bandas de geração e reconciliações feitas no curto, médio e longo prazo – assim foram os leilões iniciais de eólicas no Brasil. Assim é o tax credit nos EUA, o qual é auferido mesmo que a planta não opere. O vendedor não assume qualquer responsabilidade pela energia não entregue.
Como solução, exemplificou o que têm sido feito, como:
- Contratos de dois períodos diários – ponta e fora de ponta – com uma obrigação de entrega de capacidade e energia firme no período de ponta. Recentes leilões híbridos na Índia, onde foi feito um leilão reverso para o menor preço por MWh na ponta e FiT fora da ponta. Empreendedores estão fazendo hedge físico, via mix de renováveis e principalmente baterias (4 horas de duração).
- Full-requirement contracts – muito usado nos EUA. Distribuidoras em estados onde existe a liberdade de escolha pelo consumidor(embora muitos consumidores não tenham migrado) têm obrigação de comprar energia em leilões para servi-los. O vendedor faz um bid para entregar uma fração ideal da curva de carga. É tecnologicamente neutro. Leilões recentes para entrega de energia em Roraima e na Tailândia são similares.
Oferta de outros produtos além de energia, que incluem:
- Leilões de capacidade – comuns em alguns mercados dos Estados Unidos (p.ex. PJM – tecnologicamente neutro) e agora na França, com um leilão teoricamente neutro, mas no qual é estabelecendo um cap nas emissões o que exclui térmicas – solução mais imediata é renováveis com baterias. A duração requerida para encargo de capacidade é entre 3 a 6 horas.
- Leilões de serviços ancilares – exemplo interessante é a planta da Tesla na Austrália, chamada Hornsdale Reserve. Trata-se de um híbrido de eólicas e baterias que fornece serviços ancilares para o operador e, se houver carga suficiente nas baterias, pode também fazer arbitragem no mercado de curto prazo. Reduziu preço dos serviços em ambos mercados. Vê-se que o empreendedor tem condições de gerenciar o risco de intermitência e variabilidade, além de oferecer produtos em outros mercados (como serviços ancilares). Opções incluem localização adequada, diversidade geográfica, mix de renováveis, co-locação de renováveis, baterias, bids que incluam um mix de renováveis e não renováveis, etc.
Quais as possíveis implicações para a comercialização?
Abordando as possíveis implicações para a comercialização, Maurer disse que em primeiro lugar virão as transações com novos produtos no mercado e contratos com diferentes graus de garantia de suprimento, contratos de serviços ancilares e contratos para provimento de capacidade.
Citou também que os comercializadores deverão ajudar os empreendedoresa compor um portfólio de recursos físicos e contratos cuja produção melhor se ajuste aos produtos sendo leiloados e ao menor custo. Ademais, muitos ofertantesserão especializados em apenas uma tecnologia e necessitarão compor um portfólio com outras tecnologias com as quais tem pouca familiaridade – grande probabilidade via contratos com comercializadoras.
Quando isto devera ocorrer?
Maurer disse que o movimento já iniciou em mercados de outros países e que discussões vêm sendo intensificadas nos últimos dois anos. Enfatizou que isso já está ocorrendo em sistemas pequenos, insulares ou até mesmo em sistemas grandes, como Índia e Austrália.
Disse que é difícil prognosticar para o caso brasileiro – ainda que alguns pontos da reforma apontem para essa direção – e que apesar do armazenamento hídrico ser grande no Brasil, os problemas de gerenciamento da intermitência vão emergir mais intensamente, é apenas uma questão de tempo.