A Abraceel realizou, no dia 23 de outubro, o evento Proteção de Dados do Consumidor e Defesa da Concorrência, exclusivo para as associadas, com a presença de mais de 170 pessoas. Além de Rodrigo Ferreira (Abraceel), participaram também Camila Alves, especialista do Julião Coelho Advogados; Alexandre Cordeiro Macedo, Presidente do CADE; Maria Luiza Ferreira Caldwell, Superintendente de Fiscalização Econômica, Financeira e de Mercado da Aneel; André Ruelli, Superintendente de Mediação Administrativa e das Relações de Consumo da Aneel; e Ricardo Brandão, Diretor Executivo de Regulação da Abradee.
Rodrigo Ferreira: Há problemas no acesso aos dados de consumidores, que afetam a concorrência
A próxima fase da abertura do mercado de energia já entrará no mercado de varejo, com mais consumidores de menor porte, em que a manutenção da concorrência é fundamental. O mercado livre trabalha com cerca de 37 mil unidades consumidoras, é um ambiente competitivo, mas isso muda quando vamos para mercado de menor porte. Parte dessa discussão envolve os dados do consumidor. No século XXI, dados são sinônimo de riqueza. Quem tem os dados do cliente tem vantagem. Temos recebido relatos de problemas envolvendo o acesso aos dados desses consumidores de menor porte. No mercado, os dados são mantidos pelas distribuidoras. Empresas do mesmo grupo econômico daquela que detém os dados do consumidor também participam do mercado concorrencial. Então, é preciso atenção. Queremos que todos possam desfrutar de um ambiente saudável e correto.
Camila Alves: Código Civil estende direitos de proteção de dados às empresas
Consultados pela Abraceel sobre o alcance da LGPD no mercado de energia elétrica, se os comercializadores do mesmo grupo econômico das distribuidoras poderiam acessar os dados dos consumidores para formular propostas mais direcionadas, fizemos análise objetiva olhando a Resolução 1.000/2021, para ver quais são as balizas que a Aneel coloca às distribuidoras. Lá, está explicado que os dados pessoais do consumidor serão coletados, armazenados, tratados, transferidos e utilizados exclusivamente nos termos da LGPD. A lei aborda dados da pessoa natural, a pessoa física. Se formos fazer uma leitura fria da lei, poderíamos, em um primeiro momento, entender que essa proteção só diz respeito aos consumidores residenciais, e não às pessoas jurídicas.
Ao contrário, entendemos que essa proteção é estendida também à pessoa jurídica, pois há previsão no Código Civil, segundo o qual é aplicável às pessoas jurídicas a proteção dos direitos da personalidade. Não é apenas uma ampliação por analogia. O direito à privacidade consta como direito fundamental na Constituição. E a Resolução 1.000 prevê que as distribuidoras devem adotar o princípio da transparência. Para usar os dados, entre empresas do mesmo grupo, deveria haver consentimento do consumidor. Caso contrário, pode ser configurado como infração, mesmo que não haja intenção de infringir.
Alexandre Cordeiro: CADE busca preservar a concorrência e está à disposição do setor elétrico
O CADE atua de três formas: repressiva (combate a cartéis e outros comportamentos prejudiciais à concorrência), preventiva (avaliação de fusões e aquisições, por exemplo) e advocacy (propondo ajustes para evitar práticas contra a concorrência). Ter vantagem competitiva nem sempre é um problema concorrencial. Pode ser que a empresa seja mais eficiente, coletou dados de tal maneira que só a empresa os tem, ou por conta da atividade principal dela, que não seria obrigada a compartilhar esses dados. Mas, se o dado for essencial para a atividade dos concorrentes, se na posse desse dado a empresa fecha o mercado completamente, isso pode ensejar decisão para que o dado seja acessível. O CADE tem a finalidade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico e está à disposição do mercado de energia elétrica.
André Ruelli: Abraceel está no caminho certo, buscando soluções estruturais
A Aneel é a casa da transparência e com transparência resolvemos muitos problemas. O consumidor, quando se sente prejudicado no processo de migração, pode procurar a Aneel pelos nossos canais. Nos últimos 12 meses, registramos 17 mil reclamações de MMGD. Temos 30 analistas que atuam na análise de mérito desses casos e estamos sobrecarregados. Temos de trabalhar de forma inteligente e a Abraceel está no caminho correto, enfrentando os problemas no atacado, mencionando os casos concretos do FaleAqui!. Esse trabalho da Abraceel é crucial, podemos pensar um processo para receber essas reclamações, por meio das comercializadoras, preservando os dados dos consumidores, pois a fiscalização tem ferramentas para tratar isso. Basta uma única reclamação sobre uso indevido de dados dos consumidores que a fiscalização da Aneel pode atuar. Nossa mentalidade é que não devemos proteger só o indivíduo (reclamante), mas a espécie (todo o mercado).
Maria Luiza Ferreira: fiscalização atuará independentemente da quantidade de casos
As práticas anticoncorrenciais trazem muitos prejuízos. As reclamações e o mapeamento da Abraceel são valiosos. Esse levantamento, em bloco, contribui com o trabalho da Aneel. A atuação com base nas informações dos casos concretos que recebemos está conectada ao poder legal da Aneel, de monitorar e fiscalizar. A fiscalização tem de atuar, a despeito da quantidade de casos. Reduzir a assimetria de informação é a chave para resolver esses casos.
Ricardo Brandão: empresas têm governança elevada, capital aberto e políticas rígidas
As distribuidoras não podem disponibilizar os dados dos consumidores para outras empresas do mesmo grupo econômico, nem ao mercado livre nem à geração distribuída. As empresas têm elevado grau de governança corporativa, capital aberto, regras e políticas rígidas. Por isso, não podemos pressupor que essas empresas vão ter, como política, descumprir a LGPD com vistas a ganhar mercado no ACL. Uma distribuidora não pode ser caracterizada como competidora porque, de fato, ela não compete. Quem pode ser caracterizada assim é a comercializadora. Mas não temos relato de que a comercializadora tenha feito algo de abuso de poder econômico. Os dados em poder das distribuidoras não são um dado essencial, sem o qual ninguém consegue migrar. Não é o caso. Já temos mais de 12 mil empresas no mercado livre, ao longo de 25 anos, compreendendo mais de 35 mil unidades consumidoras. Esses consumidores migraram com dados que o consumidor detém e passou para essas comercializadoras, então não posso dizer que esse dado é essencial.
Ricardo Brandão: se houver casos de uso indevido de dados, Aneel deve atuar
É possível dar um passo adicional, na direção do open energy, mas esse é outro grau de compartilhamento de dados. Não é possível olhar essa questão somente com a defesa da concorrência em mente. Não se descarta que, nos processos de migração, falhas com o compartilhamento indevido de dados do consumidor possam acontecer, mas ainda não as encontramos. Se uma comercializadora do grupo econômico da distribuidora consegue oferecer prazo menor para a migração de um cliente (em comparação a outras comercializadoras), a Aneel deve atuar. A Aneel consegue até fazer fiscalização remota dos sistemas comerciais. Por isso, a comercializadora da distribuidora não vai pegar um cliente que está numa posição mais atrás e colocá-lo na frente, porque isso fica na trilha disponível para fiscalização da Aneel. Se o consumidor for demandado a fazer uma adequação de determinado custo com uma comercializadora, mas fica dispensável desses gastos com a comercializadora do grupo da distribuidora, isso se configura como caso para fiscalização da Aneel.
Ricardo Brandão: open energy não significa oferecer dados de medição de graça
Nós só queremos pautar o debate em duas coisas: o dado em si e o serviço. O serviço de medição da distribuidora deve ser cobrado. O open energy não significa disponibilizar o dado de medição de graça. Mas a forma como esse dado vai ser disponibilizado deve partir de um debate transparente conduzido pelo regulador, com avaliação de impacto regulatório, considerando não somente os aspectos relativos à concorrência, mas também outros elementos. Estamos trabalhando na autorregulação quanto ao tratamento na LGPD e na discussão interna para melhorar o processo de migração. Nosso objetivo não é atrapalhar esse processo. A distribuidora continua a fornecer o serviço que interessa a ela, que é a gestão do fio. Na questão dos dados, percebemos que o debate é um pouco mais complexo, e a melhor forma de trazer isso seria no ambiente da regulação.
Rodrigo Ferreira: casos foram relatados e Abraceel trabalha para equacioná-los
Casos de abuso de poder de mercado foram relatados no FaleAqui! e estão sendo registrados na Aneel, o que evidência o problema. A Abraceel tem trabalhado de forma cooperativa para que eles não existam. Não é porque são três ou quatro, é porque deveria ser zero. E os relatos são de que não são poucos, mas há dificuldades para se obter a denúncia.