A Consulta Pública 152/2023 do Ministério de Minas e Energia (MME), encerrada no dia 26 de julho, propôs diretrizes para o tratamento das concessões de distribuição de energia elétrica com vencimento contratual entre 2025 e 2031. As referidas concessões atendem 120 milhões de brasileiros e representam cerca de 62% do mercado de distribuição de energia, concentrado em 20 distribuidoras.
A Lei 12.783/2013 estabelece que, a partir de 12 de setembro de 2012, as concessões de distribuição de energia poderão ser prorrogadas a critério do poder concedente, uma única vez, pelo prazo de até 30 anos, sendo que a prorrogação dependerá da aceitação expressa das condições estabelecidas no contrato de concessão ou no termo aditivo.
Diante das transformações que o setor elétrico brasileiro está vivenciando, que possibilitam intensa digitalização das redes, descentralização na contratação da energia e o maior protagonismo do consumidor, é fundamental que os novos contratos de concessão de distribuição contenham cláusulas que estejam em harmonia com esses avanços.
Hoje o mercado esbarra em algumas limitações quando discute temas como supridor de última instância, comercialização entre partes relacionadas e compartilhamento dos dados dos consumidores, temas que se tornarão ainda mais relevantes com a concretização da abertura do mercado de energia elétrica em curso para todos os brasileiros.
Nesse sentido, as cláusulas propostas pelo Ministério, que preveem a gestão eficiente dos ativos – que busca trazer menores impactos tarifários e incentivar a realização de investimentos em modernização de redes e serviços –, separação contábil dos serviços a serem prestados pelas distribuidoras, a proteção de dados dos usuários e a possibilidade de compartilhamento desses dados com terceiros, estão em completa harmonia com a nova dinâmica do mercado e com práticas adotadas por países mais desenvolvidos.
A inserção de cláusula de proteção de dados dos usuários e compartilhamento com terceiros é chave para o “inevitável processo de abertura do mercado”, como bem ponderado pelo MME na Nota Técnica 14/23, pois dará ao consumidor, em respeito a legislação vigente, conhecimento e poder de uso aos seus próprios dados de consumo, incluindo a liberdade de compartilhá-los com quem e como desejar. É o conceito do “open energy”. O exercício desse direito resultará em isonomia concorrencial no mercado de energia, ao permitir que todas as empresas tenham a possibilidade de acessar tais dados e, dessa forma, oferecer serviços personalizados aos consumidores.
Complementarmente, com objetivo de aproximar as concessionárias de distribuição e os consumidores brasileiros, foram propostas pelo MME contrapartidas sociais em eficiência energética. Tratam-se de investimentos a serem realizados pelas concessionárias, segundo diretrizes do poder concedente, dentro de um período de cinco anos, a partir da assinatura do novo contrato de concessão de distribuição.
Nesse aspecto, o MME sugeriu um rol de ações em que os respectivos investimentos devem ser realizados pelas concessionárias em favor da população, entre elas a modernização de sistemas de medição, com objetivo de propiciar outras soluções tecnológicas e outros serviços aos consumidores brasileiros.
A realização desses investimentos em medição beneficiará tanto as distribuidoras como os consumidores e demais agentes do setor uma vez que medidores mais modernos permitem detecção mais rápida de desligamentos, controle de consumo, melhora na qualidade de fornecimento e aumento das informações de consumo aos consumidores, que poderá fazer gestão mais eficiente do uso da energia elétrica no dia a dia.
Paralelamente ao processo de prorrogação ou nova licitação das concessões de distribuição, é importante que o Ministério defina o cronograma de abertura integral do mercado de energia elétrica, conforme autoriza a Lei 9.074/95 e em linha com as Portarias MME 514/18, 465/19 e 50/22, e atue junto ao Congresso Nacional para dar seguimento às demais propostas legislativas de modernização do mercado.
Isso dará previsibilidade para todos os agentes do mercado, inclusive para as distribuidoras, quanto ao rumo e a velocidade da modernização que o setor elétrico deverá vivenciar nos próximos anos. Trata-se de questão-chave, pois torna claro o ambiente em que agentes e empresas atuarão pelos próximos 30 anos.
Estudo elaborado pela EY para a Abraceel mostra que é possível que todos os consumidores atendidos em baixa tensão, sem exceção, tenham a possibilidade de escolher seu fornecedor de energia e usufruir dos benefícios do mercado livre a partir de 2026, sem impactar o portfólio das distribuidoras.
O referido estudo pondera ainda que a abertura integral do mercado de energia elétrica beneficiará todo o setor, pois resultará em redução do gasto na compra de energia, o que aumentará a renda disponível em 0,7%, liberando mais de R$ 20 bilhões por ano para compras de bens e serviços, além de causar elevação do PIB de 0,56% e gerar cerca de 700 mil empregos.
A experiência internacional confirma que a liberdade de escolha do fornecedor de energia elétrica para todos os consumidores é a forma mais adequada para promoção de eficiência, aumento da produtividade e redução de custos. A abertura completa do mercado de energia elétrica permitirá que mais de 89 milhões de unidades consumidoras tenham maior protagonismo na escolha do seu fornecedor de energia elétrica e possam reduzir custos.
Dado esse cenário, a definição das diretrizes pelo MME subsidiará o processo de elaboração da minuta do termo aditivo pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e incentivará um mercado mais moderno e eficiente, com maior competição, isonomia entre agentes e protagonismo do consumidor.
Por essas razões, enxergo com entusiasmo os avanços que vêm sendo propostos e implementados no mercado de energia, em favor principalmente dos consumidores, ao buscar melhorar a qualidade do atendimento e a redução dos preços, assim como dar aos demais agentes novas ferramentas para otimizar o funcionamento do mercado.
Danyelle Bemfica é assessora de energia da Abraceel
Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.