Há anos o consumidor residencial vem suportando aumentos seguidos na conta de luz, que pesam cada vez mais no orçamento familiar. Entre 2015 e 2022, a “inflação da energia” foi de 70% no mercado regulado, enquanto o IPCA subiu 58% e o preço da energia no ambiente livre, onde é possível negociar entre as partes, registrou alta de apenas 9%. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, identificou há algum tempo essa disparidade e, há poucos dias, apontou, como solução, a abertura completa do mercado de energia, o que poderia ser feito, segundo ele, até 2030, para que todos os brasileiros tenham acesso à eletricidade de forma competitiva e, consequentemente, mais barata.
Tanto o diagnóstico quanto a solução indicada estão corretos – e a segunda merece aplausos, pela coragem. Em 25 anos de existência do mercado livre de energia, raras vezes o consumidor recebeu uma diretriz tão clara quanto à possibilidade de ser autorizado a escolher seu fornecedor de eletricidade. De fato, a abertura completa do mercado elétrico é uma das mais democráticas políticas públicas, com condições de beneficiar de forma imediata, simultânea e indistinta todos os segmentos de consumidores, incluindo residenciais e rurais, bem como pequenas e médias empresas e até a população de baixa renda. Na ponta do lápis, a redução na conta de luz para aqueles que ainda não têm opção de escolha pode somar R$ 35,8 bilhões. Isso equivale a contas de luz 19% mais baratas.
Atualmente, há um “Brasil esquecido” refém dos sucessivos aumentos nas tarifas elétricas. São consumidores que não têm alternativa para reduzir os valores da energia, pois não se encaixam nas regras de acesso à tarifa social e ao mercado livre de energia e tampouco têm recursos próprios, capacidade de crédito ou telhado para instalar sistemas de geração distribuída solar fotovoltaica. Os “esquecidos” somam mais de 150 milhões de brasileiros, agrupados em cerca de 73 milhões de unidades consumidoras, que incluem as famílias de classe C e D e mais de 90% dos pequenos comércios, indústrias e empreendedores rurais, importantes geradores de emprego e renda no nosso país.
A universalização do acesso ao mercado livre de energia pode servir inclusive aos consumidores de baixa renda, que já são beneficiados pela política pública da tarifa social, que concede desconto de até 65%, a depender do nível de consumo. Nesse grupo, que soma aproximadamente 15 milhões de consumidores, mais de 5 milhões poderiam ser beneficiados, caso pudessem ser livres, com descontos adicionais entre 7,5% e 10% nas suas contas de energia – o que, inclusive, levaria à redução de 4% no orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), já que não seria mais necessário que todos os demais consumidores pagassem pelos descontos, que passariam a ser obtido diretamente no mercado livre.
O momento é bastante oportuno para essa discussão. O acesso universal ao mercado livre de energia, para todos os brasileiros, como aponta o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pode inclusive ser antecipado e está bastante conectado à definição do papel que as distribuidoras de energia devem desempenhar para os consumidores, sejam eles livres ou regulados, hoje e nas próximas décadas – debate que está na mesa atualmente.
Isso porque o poder público prepara atualmente diretrizes para permitir a renovação de concessões de distribuição que estão próximas do vencimento e cujos contratos vão vigorar por muitos anos. A opção escolhida pelo Ministério de Minas e Energia, após consulta pública, parece ser pela renovação não onerosa por um novo período, mas exigindo contrapartidas que beneficiem os consumidores de energia.
Hoje, em vez de protagonista, o consumidor está à margem e apenas paga contas, com custos que ele desconhece e não contratou e sem que suas escolhas sejam consideradas. O consumidor está preso num monopólio privado, sem escolhas, e tampouco competição. Ninguém disputa esse consumidor enquanto a sua vontade aponta para a transição energética, novas tecnologias de geração, mobilidade e armazenamento, descentralização na produção e contratação de energia, controle e gestão digitalizados, entre outras funcionalidades. Então, é fundamental redesenhar o modelo comercial e regulatório do mercado de energia, com atenção especial à distribuição, para ir ao encontro desses anseios, inclusive idealizando alguma flexibilidade contratual para absorver mudanças que estão por vir e são ainda desconhecidas.
As diretrizes, que deverão ser definidas em breve, oferecem oportunidade ímpar para remodelar não só o segmento de distribuição de energia, responsável por entregar ao consumidor todo o valor produzido pelo mercado de energia elétrica, mas de todo o mercado em si.
A separação entre as atividades de fio e energia, por exemplo, é uma oportunidade para dar transparência à sustentabilidade econômico-financeira das atividades de administração da rede e de comercialização de energia. Na esteira do protagonismo do consumidor, é também pertinente normatizar o “open energy”, conceito pelo qual o consumidor passa a ter o direito de compartilhar seus dados de consumo com quem desejar, mediante consentimento, de forma compatível ao processamento computacional, permitindo que o consumidor possa receber propostas de outras empresas com melhores serviços.
A modernização da medição do consumo é outra entrega valiosa ao consumidor que pode constar também como contrapartida. Isso poderia beneficiar distribuidoras, consumidores e outros agentes do setor, pois medidores mais modernos permitem melhorar a qualidade de fornecimento, reduzem custos operacionais, como corte e ligação, detectam desligamentos rapidamente e aumentam as informações acessíveis ao consumidor, que poderá fazer gestão mais eficiente do uso da energia elétrica e até participar ativamente de programas de respostas da demanda em momentos de escassez, reduzindo o consumo e beneficiando todo o sistema.
O futuro do consumidor de energia elétrica está na mesa de discussão, com definições próximas. O mercado espera poder contribuir para a construção desse futuro e se prepara para atender as novas demandas dos consumidores, desta vez como protagonistas. A abertura do mercado é a solução e não o problema do mercado de energia. Ela precisa chegar a todos os brasileiros, com equilíbrio, respeito aos contratos e segurança jurídica. É importante que ela beneficie aqueles que desejam migrar para o mercado livre sem punir aqueles já fizeram essa escolha ou aqueles que pretendem permanecer no mercado cativo.
Rodrigo Ferreira presidente-executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel)
Artigo publicado originalmente no Poder360 no dia 22/02/2024.