Quando olhamos para o perfil das empresas brasileiras, percebemos que o Brasil é um país de pequenos. Para esses negócios de menor porte, que são os que mais criam novos empregos no país, os itens do custo Brasil impactam muito mais severamente, como é o caso da energia elétrica. Para isso, uma solução estrutural é o mercado livre de energia, que oferece oportunidade para os consumidores economizarem, comparem energia mais barata e de fonte renovável, com prazos e flexibilidades mais aderentes às necessidades de cada um. No entanto, atualmente, apenas consumidores de energia do Grupo A, atendidos em média e alta tensão, com conta de luz superior a aproximadamente R$ 10 mil por mês, têm a opção de comprar no mercado livre de energia. Apenas 16,7% das indústrias e 1,3% dos comércios têm acesso a energia elétrica até 35% mais barata. Mas por que não 100%?
De fato, não existem impedimentos, e isso se comprova com diversos estudos da Abraceel. O mais recente, realizado em parceria com Volt Robotics mostra o impacto dessa abertura para milhões de unidades consumidoras industriais e comerciais presos e esquecidos no Grupo B, composto por consumidores de energia em baixa tensão.
Esse é um passo fundamental para dar um “choque de energia barata” para quem produz, em especial para micro, pequenos e médios negócios que, segundo o Sebrae, são responsáveis pela geração de mais de 80% dos novos empregos no Brasil todos os anos.
A concessão do direito de escolher o fornecedor de energia para toda a indústria e comércio do Brasil tem potencial para beneficiar mais de 6,4 milhões de consumidores industriais e comerciais. Hoje obrigados a comprar energia no mercado cativo, eles poderiam economizar anualmente R$ 17,8 bilhões com a conta de energia elétrica no ambiente livre. Nesses segmentos, gastos economizados tendem a se transformar em investimentos, tanto na contratação de pessoal quanto em melhorias nos processos produtivos, o que proporcionaria a perspectiva de criação de ganhos de produtividade e mais de 381,8 mil novos empregos.
No segmento industrial, o Brasil conta com 492,8 mil unidades consumidoras de energia. Dessas, 37,4 mil já estão no mercado livre de energia e outras 44,7 mil estão aptas a comprar energia do fornecedor que escolherem, pois atendem requisitos para a migração. Restam, portanto, 410,7 mil consumidores industriais que consomem energia em baixa tensão ainda sem permissão para escolher seu fornecedor.
Considerando as mais de 455 mil unidades consumidoras do segmento industrial que ainda estão no mercado regulado, e que representam 0,5% dos consumidores do país, os benefícios potenciais com a migração para o mercado livre somam R$ 4,2 bilhões em redução de custos por ano e mais de 91 mil novos empregos.
Já no segmento comercial, o Brasil conta com mais de 6,1 milhões unidades consumidoras de energia. Dessas, apenas 2 mil já estão no mercado livre de energia e outras 77 mil estão aptas a migrar, pois atendem requisitos para tal. Assim, restam mais de 6,0 milhões de consumidores comerciais, que consomem energia em baixa tensão, que não têm permissão para comprar no mercado livre.
Considerando os 6,1 milhões de consumidores do segmento comercial que ainda estão no mercado regulado, e que representam 6,8% dos consumidores do país, o acesso ao mercado livre pode gerar R$ 13,5 bilhões em redução de custos por ano e até 290 mil novos empregos, disseminados por todos os estados.
A proposta de abertura do mercado de energia elétrica para a indústria e comércio encontra momento propício para ser levada adiante. Isso porque os mais de 6,6 milhões de consumidores desses dois segmentos que ainda estão no mercado regulado consomem 9,4 GW médios de energia. Nesse sentido, há mais de 10 GW médios de energia em contratos com vencimento entre 2024 e 2028, principalmente nos dois primeiros anos.
Para se ter melhor noção da dimensão dos números, a migração de toda a indústria do Grupo B equivale a 6% da geração da usina de Itaipu. Apenas uma das 20 turbinas de Itaipu é capaz de gerar energia suficiente para atender as 411 mil indústrias da baixa tensão sem liberdade de escolha.
Assim, considerando que é muito improvável os consumidores aptos a migrar exerçam esse direito ao mesmo tempo, os estudos mostram que oferecer o direito de escolher o fornecedor de energia elétrica para todos os consumidores industriais e comerciais do Grupo B não causará nova sobra de energia entre as distribuidoras que, mesmo assim, já têm mecanismos variados para gerenciar e se desfazer de eventuais sobras de energia contratada.
Além dos benefícios, como redução de gastos e serviços mais adequados, dar acesso ao mercado livre de energia aos consumidores industriais e comerciais em janeiro de 2026 permitirá dar a eles protagonismo no movimento de transição energética. Isso porque, quando pode escolher, o consumidor quer energia mais barata e renovável – e, no Brasil, a energia mais barata é a energia renovável.
Não por menos, o mercado livre de energia se consolidou, nos últimos anos, como ambiente de contratação predominante para a expansão da oferta de energia elétrica no Brasil nos próximos anos – do total de 129,5 GW de energia elétrica centralizada prevista para entrar em operação entre 2023 e 2029, 92% estão sendo destinados ao mercado livre.
Esses números evidenciam que o mercado livre é o ambiente comercial preferencial da transição energética e a abertura do mercado de energia elétrica para todos os consumidores do país – urgente e imperativa -, é possível de ser realizada a partir de 2026. Para isso, embora não seja impeditivo para essa tão aguardada liberalização, é recomendável promover alguns poucos ajustes legais, de modo a evitar desequilíbrio para os consumidores que optarem por permanecer no mercado cativo. Todos os pontos estão mapeados e o mercado está pronto para esse avanço.
Rodrigo Ferreira presidente executivo da Abraceel, Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia
Artigo publicado originalmente no Poder360 no dia 21/06/2024.