Navegar entre passado, presente e futuro é motivo de interesse e desejo entre muitos de nós. Não por menos, o cinema já nos deu esse “gostinho” com clássicos dos anos oitenta, como “Em algum lugar do passado”, estrelado por Christopher Reeve, e “De volta para o futuro”, com Michael J. Fox, filme que narra a saga de um jovem que navega entre o passado e o futuro, pilotando um incrível automóvel. No setor elétrico vivemos algo parecido.
Em 1995 o setor elétrico estava na vanguarda mundial, discutindo e criando bases para a modernização do mercado em linha com as discussões mais atualizadas da época. Nesse contexto, nasceram a Aneel, as figuras do agente comercializador e do produtor independente, o Operador Nacional do Sistema Elétrico e o Mercado Atacadista de Energia, atual Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. A Lei 9.074/1995 definiu que, a partir de 2003, o mercado seria aberto para garantir que todos os consumidores pudessem escolher seu fornecedor de energia, participando ativamente do mercado livre de energia.
Em 2001 chegou o racionamento e com ele interrompemos essa trajetória. Voltamos para o passado adotando um modelo centralizador, muito diferente das discussões até então dominantes. Não faço aqui críticas ao modelo instituído em 2004 pela Lei 10.848. Sem dúvida, mais do que dobramos nossa capacidade instalada de geração e nosso sistema de transmissão nos últimos 20 anos. Mas o fato é que o consumidor ficou esquecido, preso ao passado e na ponta de uma cadeia setorial complexa e cheia de lobbies.
Felizmente, no último dia 21 de junho, encostou no setor elétrico o carro que vai nos levar de volta para o futuro. O Decreto 12.068/2024, que regulamenta a possibilidade de renovação dos contratos de distribuição, aponta para um mercado moderno, dinâmico e com participação ativa do consumidor, que passará a atuar no mercado como protagonista e decisor.
O Ministro Alexandre Silveira e sua competente equipe técnica acertam em cheio ao tratar da modernização do mercado dentro do contexto da renovação dos contratos de distribuição. Como se trata da possibilidade de prorrogar contratos por 30 anos, é importante que haja a sinalização clara sobre o futuro do setor e do consumidor atendido pelas distribuidoras por meio dos serviços de rede.
Hoje, em pleno século XXI, sabemos a relevância dos dados em mercados concorrenciais. Com o setor elétrico caminhando para a ampla concorrência, o Decreto não apenas reforça isso, mas cria as bases para que a regulação possa evoluir e dar o adequado tratamento aos dados dos consumidores. Dados de consumo de eletricidade são do consumidor e não podem, em hipótese alguma, serem usados sem seu conhecimento e autorização. Aqueles que os detêm, para prestação dos serviços de distribuição de energia, por exemplo, devem mantê-los sob sigilo e fornecer tais informações aos seus proprietários, ou seja, nós consumidores, com acesso amplo e irrestrito, de forma organizada e padronizada, como contrapartida à prestação do serviço público que prestam.
Outro ponto de destaque é a preparação para a digitalização da medição. Não é condição precedente para abertura de mercado mas não concluiremos a transição energética mantendo o consumidor de eletricidade preso na medição analógica, desconectada da Internet. Por aqui, o consumidor sequer tem ideia dos serviços e benefícios possíveis de serem oferecidos pelas comercializadoras de energia com apoio de telemedição e controle remoto do consumo.
Por fim, a separação das atividades de fio e energia, a possibilidade de prestação de serviços passíveis de serem prestados em ambiente competitivo por outros agentes setoriais, com o objetivo a beneficiar o consumidor com a ampliação da concorrência, e a preocupação em vedar condutas anticoncorrenciais são também boas iniciativas de modernização que nos levam de volta para o futuro.
Mesmo sabendo que aquele futuro de modernidade que víamos dos anos 90 já virou presente em diversos mercados de eletricidade mundiais, nunca é tarde para voltar a 1995.
Rodrigo Ferreira é presidente da Abraceel (Associação Brasileiras do Comercializadores de Energia).
Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense no dia 08/07/2024.