A visão dos agentes do setor elétrico se consolidou e convergiu ainda mais para o tema da abertura do mercado de energia elétrica no Brasil, reforma já consolidada em mais de 50 países, mas atrasada em duas décadas no país.
Se em agosto de 2021, em Tomada de Subsídios da Aneel, já houve apoio majoritário para a expansão do mercado livre para novas categorias de consumidores, agora, um ano depois, os agentes voltaram a opinar e reafirmaram, na Consulta Pública 131 do Ministério de Minas e Energia, a convicção de que é hora de dar mais um passo para a expansão na liberalização do mercado elétrico brasileiro.
Mapeamento realizado pela Abraceel das contribuições entregues na Consulta Pública 133/2022 do MME.
A CP 131/2022, encerrada dia 24 de agosto, colocou em discussão a redução do nível de carga para permitir ao consumidor a migração para o mercado livre de energia. A consulta incluiu proposta do MME para abrir o mercado em alta tensão em janeiro de 2024. Em análise, Abraceel avalia que a abertura do restante do Grupo “A” não causa qualquer impacto para os consumidores cativos remanescentes, ao contrário, pode até reduzir encargos e subsídios pagos por esses consumidores.
A opinião agregada é amplamente favorável à abertura do mercado elétrico. O foco está na alta tensão, mas há sinalização positiva também para a baixa tensão. O resultado emerge de um mapeamento qualitativo e quantitativo realizado pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) do teor das 69 contribuições enviadas ao Ministério de Minas e Energia (MME) por todos os agentes que participaram na consulta pública.
Entre as 69 manifestações de diversos agentes, que contribuíram isoladamente ou em conjunto, 93% opinaram favoravelmente à abertura do mercado de alta tensão, dos quais 81% de forma incondicional (sem restrições) e 12% mediante alguma condição – o restante, 7%, não se manifestou. É importante ressaltar que nenhum agente foi contrário à abertura do mercado.
Das 69 contribuições, 52 sugeriram uma data para a liberalização desse segmento de mercado: destes, 94% concordam com a proposta do MME e indicaram janeiro de 2024 como prazo adequado. Apenas um sugeriu postergar o prazo para janeiro de 2026 e outros dois propuseram um escalonamento entre 2024 e 2026. Se o MME der ouvidos à maioria e prosseguir em sua proposta, o Brasil vivenciará em 2024 a maior expansão do mercado livre de energia elétrica desde sua criação, em 1995.
Além da visão convergente dos agentes sobre a abertura do mercado de energia, o mapeamento da Abraceel ainda rastreou a opinião sobe temas como sobrecontratação, representação varejista e subsídios, por exemplo.
Abraceel destaca perfil qualificado dos agentes que contribuíram
Com 69 contribuições* de agentes de distintos perfis, como federações, associações, consultorias e empresas, a CP 131 pode ser considerada aquela com maior participação de agentes qualificados nos últimos anos. CNI, Fecomercio, FIEMG e FIERGS, cujos representados arcam com a escalada dos preços da energia elétrica, enviaram contribuições favoráveis à abertura do mercado de alta tensão em 2024. A CNI, por exemplo, ressaltou a importância da abertura do mercado de energia para o setor industrial, proporcionando ganho expressivo de competitividade. No ambiente livre, os preços de energia são mais competitivos, com tarifas cerca de 20% menores, segundo a confederação da indústria.
Espontaneamente, agentes também oferecem opinião para abertura rumo à baixa tensão
Nas contribuições oferecidas ao MME, diversos agentes decidiram espontaneamente opinar sobre pontos importantes para a abertura do mercado de energia além da alta tensão, até os consumidores residenciais. O mapeamento da Abraceel identificou posicionamento convergente dos agentes dos setores elétrico e produtivo para a liberalização do mercado em baixa tensão, que envolve mais de 89 milhões de consumidores, incluindo pequenos negócios e residências.
Das 69 contribuições entregues, 44% indicaram espontaneamente que apoiam a abertura do mercado de energia em baixa tensão. Desses, 93% sem indicar condicionantes e 7% com alguma condição. O restante, 56% do total das contribuições, não manifestou opinião sobre o tema, que não foi incluído na minuta de portaria proposta pelo poder concedente. Quanto ao prazo, 7 contribuições mencionaram prazos para abrir o mercado de energia até os consumidores residenciais, sendo que 71% dessas indicam cronogramas começando em 2026.
Maioria não enxerga problemas de sobrecontratação na proposta do MME
Um dos assuntos mais debatidos na agenda da abertura do mercado de energia é o risco de sobre contratação das distribuidoras por causa do esperado fluxo de migração ao mercado livre. O tema é complexo e envolve uma série de variáveis.
O mapeamento feito pela Abraceel mostrou que apenas 22% dos agentes afirmaram haver um problema de sobrecontratação na proposta do MME de abrir a alta tensão em 2024. Em geral, a preocupação com os contratos legados é mencionada, mas sem colocá-la como um problema real detectado para a abertura do mercado para a alta tensão.
Aliás, o risco de ocorrer sobrecontratação das distribuidoras com a abertura do mercado de energia em alta tensão e o custo destas hipotéticas ocorrências foi um ponto de destaque da contribuição da Abraceel, que apresentou na CP 131/2022 os resultados de um estudo inédito para o tema proposto pelo ministério. Segundo os cálculos atualizados da Abraceel, que considera conservadoras premissas de migração e não leva em conta possíveis melhorias dos mecanismos de gestão da carteira de contratos das distribuidoras, a abertura do mercado de alta tensão proposta pelo MME não gera sobrecontratação das distribuidoras, posição que também foi corroborada por outros agentes:
Mercado livre é opção para reduzir custo do cativo
Apenas 10% das contribuições elencou que a proposta do MME pode gerar aumento de custos na CDE em razão do desconto das fontes renováveis. 90% não apontou esse problema. Esse ponto também foi destaque na contribuição da Abraceel, que ressaltou que a proposta do MME dá continuidade a um movimento de redução de reservas de mercado, pois um conjunto expressivo de consumidores abaixo de 500 kW não serão mais obrigados a comprar energia incentivada (com 50% de desconto) para migrarem ao mercado livre em comunhão de cargas.
A associação dos comercializadores também pontua que a a abertura do mercado reduz os subsídios da micro e mini geração distribuída, conduzindo a redução tarifária dos consumidores cativos. Isso porque o mercado hoje já está aberto, mas de forma desordenada e com elevados subsídios, em um movimento inexorável de expansão da geração distribuída. Impressionantes 25% das unidades consumidoras da alta tensão já estão sendo atendidas por MMGD, que nesse caso não tem direito a 50% de desconto, mas 100%. E os custos são pagos apenas pelo cativo, via “CDE-Cativo”, em uma verdadeira espiral da morte do consumidor regulado.
Contribuições pedem ajustes na representação dos varejistas
Na proposta de portaria apresentada pelo MME na consulta pública, os consumidores com carga abaixo de 500 kW do grupo de alta tensão que optarem pela migração ao mercado livre teriam de ser representados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) por um agente varejista.
Esse ponto recebeu quantidade considerável de observações. Das 69 contribuições, 26 (38%) não se manifestaram e apenas 10% foram contra a representação obrigatória por varejista. Mas entre aqueles que tocaram no assunto, 84% informaram ser favoráveis que haja representação do consumidor por um comercializador varejista de forma obrigatória. Vale destacar que, 97% dos que se manifestaram apoiam a representação varejista a partir do patamar de 500 kW, em linha com a proposta do MME.
A Abraceel, em sua contribuição, sugeriu que a representação por agente varejista seja obrigatória apenas para os consumidores que atualmente não são elegíveis ao mercado livre, com demanda contratada inferior a 500 kW, a fim de não impactar direitos adquiridos e não interferir nos processos de migrações em andamento. Esse apontamento foi repetido por muitos outros agentes.
Abertura é oportunidade para melhorar mecanismos de gestão do portfolio
A expansão do movimento de abertura do mercado de energia elétrica é ainda percebida como uma oportunidade para aperfeiçoar mecanismos de gestão de portfólio das distribuidoras.
Nas contribuições, há sugestões como definição do cronograma de continuidade da abertura do mercado para evitar a constituição de novos legados, melhorias no Mecanismo de Venda de Excedentes (MVE) e no Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits (MCSD), adoção de novos instrumentos previstos na Lei 14.120/2021 e aprimoramento na definição de sobrecontratação involuntária e instituição de entidade gestora dos contratos legados.
Outras medidas sugeridas são a possibilidade de negociação bilateral para redução de Contrato de Compra de Energia no Ambiente Regulado (CCEARs), flexibilizar necessidade de contratação de 100% da carga, alocação do custo dos legados no Tesouro, redução do prazo dos contratos de energia nova e permissão para reduções no caso de migração, bem como realização de leilões com contratos menores.