Por meio da Nota Técnica 29/22, o Ministério de Minas e Energia divulgou os argumentos técnicos que subsidiaram a proposta de portaria, atualmente em discussão na Consulta Pública MME 137/22, para a abertura do mercado de energia para os consumidores de baixa tensão.
O ministério destaca no documento que a discussão da abertura do mercado ocorre há mais de 20 anos, citando que a Lei 9.074/1995 estabeleceu comandos para que o poder concedente pudesse, oito anos após a sanção, reduzir os limites de cargas estabelecidos aos consumidores livres. Esse é um aspecto em linha com o pensamento histórico da Abraceel, que tem insistido que o processo de abertura do mercado pode ocorrer via infralegal. Isso porque há robustez legal para esse caminho, já ratificado pela Consultoria Jurídica do MME e pelas portarias de abertura já publicadas pelo MME.
Desde então, segundo o MME, é notável a evolução do mercado de energia no Brasil, de forma que a abertura é um processo natural e necessário e que se torna imprescindível diante da crescente adesão dos consumidores ao modelo de Micro e Mini Geração Distribuída (MMGD), o que vem deixando custos mais elevados para o consumidor remanescente em comparação à possibilidade de migração via mercado livre.
Esse posicionamento do MME vai ao encontro de alertas feitos pela Abraceel nas últimas semanas, apontando que, diante das restrições existentes para migração ao mercado livre, o “custo de não fazer nada” é mais elevado na medida que os consumidores regulados passam a ter duas opções: permanecer como estão ou adotar sistemas de geração distribuída com subsídios.
Cronograma de abertura e sobrecontratação das distribuidoras
O MME propõe, em linha com o estudo da CCEE, um cronograma escalonado, onde o Grupo B, exceto os segmentos residencial e rural, poderia optar pela migração ao mercado livre a partir de janeiro de 2026, permitindo em seguida que consumidores residenciais e rurais possam participar do mercado livre a partir de janeiro de 2028. A proposta da Abraceel é permitir que, em janeiro de 2026, todos os consumidores tenham o direito de escolher o fornecedor de energia elétrica, garantindo um ambiente com segurança jurídica, respeito aos contratos e equilíbrio no mercado.
Também é destacado no documento ministerial a importância de definir um cronograma com antecedência razoável, de modo que permita o equacionamento de diversos problemas, dos quais o principal é a não contratação de novos contratos legados. Esse ponto também encontra eco nos posicionamentos da Abraceel, que defende a urgência no estabelecimento de um cronograma e de um prazo final para conceder o direito de escolha a todos os consumidores, dando previsibilidade às empresas e aos consumidores. Além disso, a Abraceel tem defendido que não sejam realizados novos leilões centralizados e que não sejam constituídos novos contratos de longo prazo nas distribuidoras.
Simulações da CCEE mostram que, ao considerar o crescimento da MMGD no cenário de referência do PDE 2031, não é esperada sobrecontratação a partir de 2025. Inclusive, os dados demonstram uma possível subcontratação a partir de 2025, o que poderia permitir, inclusive, antecipar o início da liberalização gradativa do Grupo B. Contudo, o MME argumenta que manteve o cronograma proposto pela CCEE dadas as incertezas dos cenários avaliados e diante da necessidade de ajustes regulatórios para possibilitar a abertura.
Quanto à criação dos encargos de migração e sobrecontratação, o MME pontua que eles somente se aplicam após esgotadas todas as possibilidades de redução do nível contratual das distribuidoras, devendo ser evitado ao máximo.
Adicionalmente, em relação aos contratos legados, o MME esclarece que o mercado caminha para a redução dos prazos dos contratos resultantes dos leilões de compra de energia, visto que atualmente muitos empreendimentos são viabilizados sem a necessidade de venda em leilões regulados.
Impacto na CDE da contratação de fontes incentivadas
Sobre o possível impacto na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em razão da migração de contratos de energia incentivada dos consumidores da alta tensão para a baixa tensão, o que poderia criar uma pressão na CDE, tendo em vista que as tarifas de uso dos consumidores de baixa tensão são maiores, o MME pondera que a proposta de abertura resultará em menor impacto do que aquele já provocado pela MMGD, uma vez que o consumidor ao migrar para o ACL permanece arcando com os custos da CDE e dos encargos setoriais e parte dos custos de rede.
Agregador de medição e tratamento de dados
A proposta de portaria prevê ainda que o serviço de agregação de medição será prestado pela distribuidora local, mediante pagamento. Assim, cada distribuidora informará à CCEE os dados agregados das unidades consumidoras do varejo e, adicionalmente, informará a cada varejista os dados individualizados para fins de faturamento, conforme regulamento da Aneel.
Como a migração ao mercado livre de energia pode ser realizada por meio de medidores convencionais, o ministério pontua a necessidade de estabelecer metodologia de tratamento de dados que permita o atendimento dos requisitos de contabilização e liquidação do mercado de curto prazo na CCEE. A referida metodologia deverá ser estabelecida em regras e procedimentos de comercialização.
Apesar do MME não enxergar como obrigatória a troca de medidores, da mesma forma que pensa a Abraceel, recomenda que sejam realizados estudos a respeito da viabilidade de modernização e digitalização da rede, sendo uma das possibilidades a ser a avaliada é a utilização de recursos disponíveis para projetos de pesquisa e desenvolvimento.
Supridor de Última Instância (SUI)
A proposta do MME estabelece que, em um primeiro momento, o SUI será exercido pela distribuidora, ainda que, em momento posterior, com evolução do mercado, seja discutida a possibilidade de outros agentes exercerem tal função.
As condições desse fornecimento serão reguladas pela Aneel, com duração máxima de até 90 dias, inclusive as tarifas a serem cobradas, e o serviço será prestado para consumidores em que o supridor não pode mais prestar o serviço, não se tratando dos casos de inadimplência de consumidores.
Faturamento, inadimplência e desligamento
O faturamento dos consumidores livres de baixa tensão será objeto de regulação da Aneel, tendo em vista que hoje o mercado conta com consumidores livres que já são faturados.
O ministério pontua ainda que os consumidores desligados do comercializador varejista por inadimplência devem ter seu fornecimento interrompido, ainda que estejam adimplentes com as tarifas de uso da rede.
Ademais, a minuta de portaria prevê que a Aneel deve realizar campanhas de informação e esclarecimentos a todos os consumidores a respeito do mercado livre de energia, pelo menos 365 dias antes do início de cada fase. Além disso, a agência deve regular o produto padrão para que os consumidores tenham um parâmetro de comparação entre fornecedores.