A Superintendência de Fiscalização Econômica, Financeira e de Mercado (SFF) da Aneel divulgou nota técnica sobre as ações aplicáveis ao monitoramento das práticas dos agentes do mercado de energia elétrica, com foco em análise da concorrência e concentração econômica e da comercialização de energia elétrica, buscando melhorias normativas e processuais.
O trabalho foi realizado para atender solicitação do Diretor-Geral da Aneel, Sandoval Feitosa, que, em maio de 2023, enviou memorando à SFF pelo qual solicitou a apresentação de um plano de ação com o objetivo de aprimorar os processos de monitoramento das práticas dos agentes do mercado elétrico, incluindo o estímulo à concorrência entre eles e a identificação de barreiras para evitar a concentração econômica. Outro tema demandado foi a avaliação de problemas concorrenciais na migração de consumidores cativos para o mercado livre.
Abordagem do Cade
Ao analisar atos de concentração, a SFF discorre que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pode observar aspectos como mercado relevante, sobreposição horizontais, possibilidade e probabilidade de exercício de poder de mercado, integrações verticais e possibilidade de fechamento de mercado.
Em 2016, foram iniciadas tratativas para celebração de acordo de cooperação técnica entre Aneel e Cade, porém sem êxito.
Relação entre CVM e setor elétrico
A nota técnica analisa ainda aspectos referentes à atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tem o propósito de zelar pelo funcionamento eficiente, pela integridade e pelo desenvolvimento do mercado de capitais, de forma a promover o equilíbrio entre a iniciativa dos agentes e a efetiva proteção dos investidores.
A CVM não observa as repercussões no mercado à vista do produto físico, a própria energia elétrica, mas regula instrumentos financeiros que surgem desse mercado, os derivativos de energia.
Argumenta-se que, além de ações das empresas e dos derivativos de energia elétrica, o mercado de energia elétrica pode fomentar investimentos em diversos outros instrumentos financeiros no mercado de capitais.
O convênio da Aneel com a CVM foi firmado em 2011, com prazo indeterminado (ainda vigente).
Desverticalização das empresas
Na nota técnica, a SFF aponta que, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), para que a concorrência se desenvolva nos mercados da energia elétrica, as atividades tipicamente monopolistas, como a transmissão e a distribuição, necessitam ser efetivamente separadas das atividades potencialmente competitivas, como a geração e comercialização.
A principal razão para a separação das atividades é evitar práticas anticoncorrenciais, pois, caso contrário, as empresas teriam incentivo para usar o poder de monopólio contra os concorrentes. Nessa linha, a separação vertical objetiva limitar a capacidade e o incentivo dos monopólios para distorcer a concorrência.
Uma forma possível dessas práticas, analisa a nota técnica, surge quando o proprietário da rede de distribuição é também um concorrente no mercado de atendimento ao usuário final – especialmente o varejo. O agente distribuidor pode se beneficiar de vantagem competitiva significativa em relação a participantes independentes por meio de requisitos técnicos desnecessários e atrasos processuais. É pontuado também que o agente de distribuição local se beneficia do poder de mercado horizontal, pois tem relação já estabelecida junto aos consumidores, além do acesso a informações sobre os consumidores.
Contudo, a SFF aponta que, no setor elétrico brasileiro, é possível que um mesmo grupo econômico atue em todos os segmentos por meio de empresas controladas ou coligadas. A existência de grupos econômicos de grande envergadura pode, na visão da Superintendência, implicar prejuízos ao atingimento do objetivo central da desverticalização preconizada em lei, como o fortalecimento da concorrência.
Poder de mercado
A nota técnica explica que poder de mercado, pela referência bibliográfica, é a capacidade de um fornecedor individual ou grupo de fornecedores manter os preços acima dos níveis competitivos por um período significativo de tempo.
O abuso significa exercer o poder de mercado além de níveis ou valores de referência permitidos, conduzindo assim a preços que não são considerados justos e razoáveis, o que pode resultar em perdas de bem-estar social, bem como em grandes transferências de riqueza dos compradores para os vendedores.
Os EUA, segundo a nota técnica, normalmente não definem diretamente o termo abuso de poder de mercado. Em vez disso, tendem a identificar condições estruturais condizentes ao exercício do poder de mercado ou práticas específicas que devem ser mitigadas.
Além disso, o documento apresentou, de forma sucinta, a forma como cinco operadores de mercado atacadistas norte-americanos lidam com mecanismos de mitigação do poder de mercado.
Concentração econômica implica em ineficiência econômica no mercado livre
Após apresentar o crescimento do mercado livre de energia ao longo dos anos, a nota técnica cita o white paper dos autores Fernando Colli, Victor Gomes e Juliana Munhoz, que recomenda medidas para a redução da assimetria de informações para os consumidores:
– Website mantido por instituição pública com comparação de preços dos varejistas;
– Padronização de produtos;
– Padronização da fatura de energia, para permitir a comparação de competidores;
– Regulamentação de conduta de comercializador varejista, com restrição para venda e marketing conjunto da atividade de varejista com atividades reguladas;
– Separação completa (desverticalização jurídica) entre as atividades da distribuidora e da comercializadora varejista com proibição do acesso pela comercializadora varejista da distribuidora às informações detidas pela distribuidora;
– Proibição que distribuidora e comercializadora varejista utilizem a mesma marca.
Mecanismos competitivos já normatizados
O mercado brasileiro de energia elétrica já conta com mecanismos de regulação de cunho competitivo que merecem ações de monitoramento quanto aos aspectos da competitividade, sendo eles, o serviço ancilar de despacho complementar para manutenção da reserva de potência operativa, programa de resposta da demanda, exportação de energia elétrica proveniente de usinas termelétricas e de usinas hidrelétricas e importação de energia elétrica, segundo a nota técnica.
Além disso, são citados exemplos de relatórios publicados por operadores americanos que analisam o desempenho da competição do mercado de energia elétrica. Informa também que os relatórios divulgados pelo ONS e CCEE dão transparência às operações, mas não contêm análises críticas a respeito de práticas passíveis de serem enquadradas como anticoncorrenciais. Desse modo, pode-se avaliar a pertinência de contar com relatórios que contribuam para as ações de regulação e fiscalização.
Monitoramento da comercialização
Atualmente, a atividade de monitoramento da comercialização de energia elétrica está centrada no acompanhamento da conformidade das condutas dos agentes setoriais ao arcabouço normativo.
Assim, a definição e tipificação das condutas anômalas no âmbito do monitoramento da comercialização é um aprimoramento desejável às regras de regulação e fiscalização, o qual deverá oportunamente ser discutido com a sociedade.
Ademais, o início do novo programa de monitoramento prudencial conduzido pela CCEE e os testes do “período sombra”, assim chamado por ser programado para funcionar durante 12 meses em paralelo ao programa vigente, fornecerão subsídios para a avaliação da necessidade de novos requisitos, podendo ser desenvolvidas novas formas de monitoramento dos riscos associados ao mercado livre.
O monitoramento da comercialização realizado pela SFF está focado no aprimoramento normativo e em melhorias processuais.
Frentes de trabalho a serem conduzidas pela SFF
Por fim, o documento apresenta as propostas de frentes de trabalho a serem conduzidas pela SFF relativas ao monitoramento (i) das práticas dos agentes do setor de energia elétrica, com foco em análise da concorrência e concentração econômica e (ii) da comercialização de energia elétrica, com foco em melhorias normativas.
– Análise da concorrência e concentração econômica na “entrada”
Avaliação do potencial ou real abuso de poder de mercado quando da entrada de empresas em negócios, por meio, por exemplo, de migração de consumidor para o mercado livre de energia ou da adesão ao sistema de compensação de energia elétrica (SCEE) de MMGD.
– Análise da concorrência e concentração econômica na operação e comercialização
Avaliação do potencial ou real abuso de poder de mercado e concorrência desleal exercida quando da comercialização de energia, como na formação do PLD.
– Análise da concorrência e concentração econômica em mecanismos competitivos
Avaliação do potencial ou real abuso de poder de mercado e concorrência desleal exercida em mecanismos regulados em ambiente originalmente concebido para favorecer a competição.
– Relatórios analíticos periódicos
Normatização para elaboração e publicação de relatórios, por instituições do setor elétrico, com diagnóstico pormenorizado da concorrência e concentração econômica e recomendações de atuação à Aneel.
– Monitoramento da comercialização de energia elétrica
Acompanhamento da conformidade das condutas dos agentes, realização de análises para instaurar processos administrativos punitivos, regulação de condutas anômalas, monitoramento prudencial dos riscos associados ao mercado livre e desenvolvimento do monitoramento da sustentabilidade de comercializadoras.
A nota técnica, cuja recomendação final é de encaminhamento ao Diretor-Geral da Aneel, está disponível aqui.