O segundo workshop do Projeto Meta II, realizado no dia 15 de agosto, avançou nas discussões sobre o aprimoramento do mecanismo de formação de preços de energia elétrica de curto prazo no Brasil. Liderado pela CCEE com o apoio do Banco Mundial, o projeto tem como objetivo central diagnosticar o atual modelo de precificação e propor melhorias que aumentem a eficiência econômica e a atratividade de investimentos no setor.
O projeto Meta II está dividido em três fases principais (https://abraceel.com.br/blog/2023/10/ccee-e-psr-agendam-workshop-do-projeto-meta-ii-formacao-de-preco-para-dia-18-10/): exploração, proposta conceitual e aprofundamento. A CCEE já realizou um evento em junho de 2022, quando debateu temas relacionados à formação de preços e informou o escopo do estudo (https://abraceel.com.br/blog/2022/06/ccee-realiza-workshop-sobre-formacao-de-precos-com-mais-de-300-profissionais-do-setor/), bem como o primeiro workshop, em outubro de 2023, onde apresentou aspectos referentes à evolução das avaliações (https://abraceel.com.br/blog/2023/10/formacao-de-precos-ccee-e-psr-detalham-estudo-dos-modelos-com-entregas-ja-este-ano/),
A primeira fase, já concluída, incluiu a concepção do plano de trabalho, diagnóstico sobre o mecanismo de formação de preço por custo e realização de workshops e treinamentos que envolveram representantes de instituições-chave como MME, Aneel, EPE, CCEE e ONS.
Também foram feitos treinamentos institucionais e visitas técnicas internacionais a países como El Salvador, Colômbia e Noruega, com o objetivo de absorver experiências e práticas internacionais que possam ser adaptadas ao contexto brasileiro. Essas atividades, segundo a PSR, subsidiaram a construção de uma base sólida para as próximas etapas do projeto, que incluirão o desenvolvimento de software, realização de jogos de mercado e proposição de novos mecanismos de formação de preços por oferta.
Precificação por custo ou por oferta?
Luiz Maurer, estrategista e consultor em energia, iniciou a primeira das três palestras do workshop abordando a questão central sobre a formação de preços no mercado de energia elétrica: precificação por custo ou por oferta? Durante a apresentação, Maurer destacou que essa dicotomia não é simples de ser aplicada ao mercado brasileiro devido à complexidade e às especificidades do setor. Maurer apresentou um extenso benchmarking internacional, suportado por uma revisão bibliográfica, para examinar como diferentes mercados ao redor do mundo tratam a questão da precificação de energia, constatando que, na prática, existem inúmeras variações entre os modelos adotados em diferentes países, e que nenhum deles se encaixa perfeitamente na categorização simplista de formação por “custo” ou por “oferta”.
As diferenças observadas por Maurer no benchmarking são multidimensionais, abrangendo aspectos como a forma com que os agentes realizam as ofertas de quantidade e preço, o tratamento dado ao unit commitment e a diferenciação de tratamento entre tecnologias de geração. Maurer destacou que essas variações são essenciais para entender como cada mercado se adapta às particularidades operacionais e regulatórias locais. Assim, a experiência internacional analisada por Maurer revelou um espectro de possibilidades que se estende desde modelos mais próximos do de custo puro, como os utilizados na Coreia do Sul, Brasil e El Salvador, até modelos mais próximos do de oferta pura, como os adotados em mercados como Texas, Califórnia e Nova Zelândia. Ele enfatizou que, mesmo dentro desse espectro, há uma ampla gama de configurações que não segue rigidamente uma abordagem puramente centralizada ou descentralizada.
Sobre isso, um ponto abordado por Maurer foi a relação entre o grau de centralização nos processos de otimização do sistema e a escolha entre precificação por custo ou por oferta. Ele argumentou que, tipicamente, a precificação por custos está associada a ambientes mais centralizados, ao passo que a precificação por ofertas tende a ser encontrada em ambientes mais descentralizados. No entanto, a experiência empírica mostra que não existe um modelo totalmente centralizado ou descentralizado, com a maioria dos mercados operando em algum ponto intermediário nesse espectro. Assim, Maurer propôs uma classificação que expande a dicotomia “custo” vs. “preço” em quatro categorias principais: custo puro, custo adaptado, oferta adaptado e oferta puro. Essas categorias foram definidas com base em critérios como a flexibilidade de declaração dos agentes, a distinção entre tecnologias de geração e a representação no problema de otimização.
Aprimoramentos ao mecanismo por custo
Na segunda palestra do workshop, Thiago Cesar, consultor da PSR, explorou quatro grandes temas que são áreas plausíveis para aprimoramentos dentro do setor de formação de preços por custo no Brasil: regulação, governança, modelagem e elementos híbridos. Para cada um desses temas, ele propôs uma estrutura clara de etapas que deveriam ser seguidas para garantir a efetividade desses aprimoramentos: desenvolvimento e implementação, esforço regulatório e sistematização, e conscientização, sendo o desenvolvimento o elemento mais importante e prioritário.
Possível implementação de um mecanismo de liquidação dupla
Na terceira e última palestra do workshop, Gabriel Cunha, diretor técnico da PSR, abordou a implementação de um mecanismo de liquidação dupla no mercado de energia elétrica brasileiro. Esse modelo, que mistura características de precificação por custo e por oferta, foi apresentado como uma solução híbrida para melhorar a eficiência e previsibilidade do mercado.
Gabriel iniciou a apresentação explicando o que é a liquidação dupla: um sistema onde as transações são liquidadas em dois momentos distintos. No primeiro, há a liquidação baseada na formação de preço ex-ante, e no segundo, a liquidação financeira baseada na operação em tempo real. Esse modelo, segundo a PSR, visa alinhar melhor os incentivos dos agentes de mercado, permitindo uma operação mais conservadora e alinhada com as previsões de demanda e oferta.
O apresentador enfatizou que a liquidação dupla pode ser implementada em sistemas baseados tanto em custos quanto em ofertas. No entanto, Gabriel destacou que a liquidação dupla é especialmente eficaz em melhorar os incentivos à previsão dos agentes, extraindo maior valor das informações disponíveis, como observado em mercados como o mexicano.
Dando continuidade à apresentação, Gabriel apresentou uma estratégia para a implementação do modelo de liquidação dupla. Os passos incluem:
- Consolidação do arcabouço regulatório: revisar as normas regulatórias, focando mais no fluxo financeiro do que nas ofertas;
- Ofertas com foco em renováveis: estruturar formatos de ofertas que considerem não apenas quantidades, mas também preços;
- Buscar formas de tratamento sistematizado: consolidar formatos neutros à tecnologia sempre que possível;
- Avaliar próximas inovações desejáveis: incluir inovações como reservatórios virtuais, liquidação intradiária e outros mecanismos para aprimorar o sistema.
A recomendação final de Gabriel foi focar na viabilização da liquidação dupla, destacando que essa abordagem já é reconhecida internacionalmente e pode gerar sinergias com mudanças regulatórias futuras. Ele também alertou para a importância dos detalhes na sua implementação, como contratos, contabilidade e formação de preço, que devem ser cuidadosamente tratados para garantir o sucesso do modelo.