No dia 27 de novembro, foi realizado em São Paulo o terceiro workshop do Projeto Meta II, iniciado em junho de 2023, com recursos do Banco Mundial, sob a gestão e supervisão da CCEE e execução principal da consultoria PSR. O evento focou a exploração e discussão de propostas para a formação de preços por oferta no mercado de eletricidade.
O projeto avança em um contexto que, pela primeira vez em 20 anos, os comercializadores elegeram o aprimoramento da formação de preços no mercado elétrico como “prioridade das prioridades” (https://abraceel.com.br/press-releases/2024/10/formacao-de-precos-de-energia-vira-principal-prioridade-do-mercado-em-2025/) para 2025
Avanços no desenvolvimento do projeto
Rodrigo Sacchi, Gerente Executivo de Preços, Modelos e Estudos Energéticos da CCEE, listou as atualizações do projeto, e confirmou que a equipe está na fase final de revisão para a entrega do Relatório 6, documento que trará propostas concretas para a implantação do modelo de preços por oferta no Brasil. Entre os avanços apresentados, Sacchi reforçou o progresso nas análises técnicas voltadas à integração do mecanismo de preços com o despacho hidrotérmico otimizado, mantendo os requisitos de confiabilidade do sistema e assegurando respostas eficientes à demanda. Além disso, mencionou que os estudos estão avançados para alinhar os modelos de simulação com as práticas internacionais e atender às necessidades específicas do mercado brasileiro.
Relatório atual e as próximas entregas
Gisella Siciliano, executiva da consultoria PSR, fez avaliação do conteúdo do Relatório 6, que sistematiza os procedimentos necessários para a submissão de ofertas pelos agentes de forma flexível. O documento apresenta mecanismos que permitem traduzir o modelo vigente baseado em custos para um modelo baseado em ofertas, preservando a compatibilidade com os fundamentos do mercado internacional. Essa transição envolve adaptações nos processos de validação das informações submetidas, enfatizando descentralização.
Ela também antecipou os objetivos dos Relatórios 7 e 8, que abordarão a introdução de elementos de validação híbridos. Esses relatórios vão detalhar como o operador do sistema elétrico pode validar informações submetidas pelos agentes, com base em regras claras e estruturadas. A ênfase será em demonstrar a compatibilidade do desenho proposto com as preocupações institucionais e de mercado, incluindo a supervisão e segurança de suprimento.
Já os Relatórios 9 e 10 vão focar em análises quantitativas e qualitativas comparativas entre os resultados do modelo por custos e o modelo por ofertas. Essas entregas incluirão estudos sobre as adaptações necessárias nos modelos existentes e uma análise do impacto das alterações regulatórias e operacionais sobre os agentes.
Modelos híbridos
Em outra sessão, o professor Erik Rego, da USP, apresentou os fundamentos técnicos necessários para a implantação de modelos híbridos no contexto da formação de preços por oferta. O especialista classificou os modelos híbridos em duas abordagens principais:
- Híbridos partindo do modelo por custo: essa proposta mantém a lógica centralizada do modelo atual, mas introduz incentivos para agentes, como a dupla liquidação. Ele detalhou como a dupla liquidação pode melhorar os sinais de preço e incentivar previsões mais precisas por parte dos agentes, mantendo a segurança do suprimento e a confiabilidade do sistema.
- Híbridos partindo do modelo por oferta: esse enfoque exige uma mudança de paradigma, com maior responsabilidade para os agentes. O professor apontou que o principal desafio dessa abordagem é demonstrar a viabilidade e os benefícios da transição, o que requer robustez metodológica e alinhamento regulatório.
Durante sua exposição, Erik Rego compartilhou exemplos de modelos híbridos implementados em mercados internacionais, como no México e Vietnã. Nesses países, os agentes submetem ofertas que passam por validações conduzidas pelos operadores, considerando custos estimados e restrições operacionais. O professor enfatizou que, no caso brasileiro, alguns elementos híbridos já estão presentes, como a declaração de disponibilidade e inflexibilidade das usinas térmicas e a oferta de ajuste de perfil hidrológico. Essas práticas, embora limitadas, demonstram a viabilidade de uma abordagem híbrida mais estruturada.
Liquidação dupla
Reforçando discussões de workshops anteriores, Erik Rego detalhou o funcionamento da dupla liquidação, componente essencial nos modelos híbridos. Explicou que esse mecanismo separa a formação de preços em duas etapas: ex-ante (baseada em previsões) e ex-post (com base nos resultados reais de operação). Isso melhora a precisão dos preços e reduz os riscos para os agentes.
Entre os benefícios destacados estão: incentivos para previsões mais confiáveis por parte dos agentes; redução de incertezas quanto ao funcionamento do modelo e melhoria nos sinais de preço, o que favorece decisões de investimento e operação.
Ao concluir, o especialista destacou que a transição para modelos híbridos depende de uma forte base regulatória, bem como de esforços de conscientização e capacitação dos agentes. Reforçou que a adoção de elementos híbridos pode ser feita de forma incremental, permitindo ajustes e validações ao longo do tempo.
Estrutura de ofertas e mecanismos facilitadores
Nina Hubner, especialista em energia da PSR, apresentou os componentes essenciais da proposta base do modelo de preços por oferta, enfatizando a estrutura de ofertas, o problema de fechamento de mercado e os mecanismos facilitadores para implementação. Ela descreveu como os agentes podem registrar ofertas de forma voluntária, compondo dois tipos principais de estruturas:
* Ofertas independentes (horárias): dados submetidos por intervalo, onde cada decisão de acionamento é independente.
* Ofertas de perfil (multi-horárias): representam um conjunto de intervalos consolidados em um único perfil. Esse modelo permite uma decisão integrada, otimizando operações para múltiplos intervalos.
Nina enfatizou a importância de traduzir informações físicas (como limites de geração e demanda) para formatos compatíveis com os modelos de oferta. Além disso, abordou a divisão do problema de fechamento de mercado em subproblemas ex-ante e ex-post, que permitem tratar a formação de preços como um processo dinâmico. Isso facilita a simulação e emulação de condições reais de operação.
Mecanismos facilitadores
Em relação aos mecanismos facilitadores, Nina apresentou soluções tecnológicas para simplificar a submissão de ofertas pelos agentes. Destacou que novas tecnologias, como baterias e usinas híbridas, podem ser integradas automaticamente, incentivando inovação sem necessidade de grandes adaptações.
Entretanto, reconheceu os desafios associados à tradução de parâmetros operacionais tradicionais (como tempos mínimos de operação e capacidades de armazenamento) para o formato exigido pelo modelo. Para isso, foi desenvolvido um módulo adicional no software que mapeia essas correspondências de forma direta, garantindo que as características de cada agente sejam preservadas.
A especialista da PSR reforçou que a estrutura de ofertas proposta é robusta e flexível, permitindo aos agentes adaptarem-se gradualmente ao modelo por oferta. Combinando mecanismos facilitadores e abordagens inovadoras, a proposta garante a integração das melhores práticas internacionais com as especificidades do mercado brasileiro.
Fechamento de preços no mercado
Joaquim Dias Garcia, Head de Pesquisa e Desenvolvimento da PSR, em sessão seguinte, ressaltou a importância de integrar conceitos regulatórios, operacionais e comerciais em um modelo que seja ao mesmo tempo eficiente e robusto. A proposta base, segundo ele, é encontrar equilíbrio entre a descentralização da informação pelos agentes e a supervisão centralizada, garantindo segurança e estabilidade para o sistema.
Na sequência, apresentou os principais componentes estruturais da proposta, como a conversão entre diferentes representações – física e comercial – e os subproblemas do fechamento de mercado. O especialista destacou como o mercado atual no Brasil lida com questões ex-ante e ex-post e como melhorias podem ser instituídas para criar um processo mais dinâmico e realista.
Joaquim Garcia explicou a distinção entre os mercados ex-ante e ex-post, mostrando como novas informações são incorporadas ao longo do tempo para refletir as condições reais do sistema. Também abordou a importância de diferenciar a operação física da comercial, bem como a simulação e operacionalização dos processos, para criar um sistema que seja mais eficaz em orientar decisões de geração e consumo.
Software IARA: estrutura e objetivos
A apresentação também detalhou o software IARA, ferramenta desenvolvida para a simulação e operacionalização do mercado por ofertas. A versão inicial, apresentada no workshop, tem como principais funcionalidades:
* Construção de ofertas heurísticas: a ferramenta permite aos agentes submeterem ofertas baseadas em diferentes estratégias, incluindo cenários com elementos híbridos entre os modelos por custos e por ofertas;
* Submissão e validação de ofertas: embora ainda em desenvolvimento, o sistema possibilita a validação das informações submetidas pelos agentes, ajustando-as às regras do operador;
* Despacho e formação de preços: integra os processos de despacho hidrotérmico com os novos mecanismos de precificação, assegurando consistência operacional;
* Resultados de mercado: a ferramenta apresenta resultados consolidados de simulação, que podem ser utilizados para análises de impacto regulatório.
A estrutura do IARA foi projetada para permitir evolução incremental, com quatro entregas planejadas até o fim do projeto. Mesmo na versão parcial, a ferramenta já é capaz de gerar informações relevantes para testes e validações, especialmente em relação à integração entre agentes e o operador. Os próximos passos incluem o incremento das funcionalidades de submissão e validação, além de ajustes finais para garantir que a ferramenta atenda às especificidades do mercado brasileiro.
Joaquim Garcia destacou que o IARA foi projetado para ser um modelo flexível, transparente e de código aberto, permitindo experimentação e reutilização tanto pela academia quanto pela indústria. Com módulos como a operação centralizada, conversão de custos em ofertas (cost-to-bid) e clearing de mercado, o IARA permite modelar, simular e analisar cenários complexos em diferentes configurações regulatórias.
Reservatórios virtuais
Edvaldo Santana, Diretor da Neal, apresentou o conceito de Reservatórios Virtuais (RV), solução para os desafios das cascatas hidrelétricas no Brasil. Destacou que 22% da capacidade hidrelétrica do país está nas mãos de 22 diferentes proprietários, tornando evidente a necessidade de maior coordenação para alcançar eficiência no uso dos recursos hídricos. As abordagens tradicionais para tratar as externalidades desse sistema, como ignorar os impactos das cascatas ou formar consórcios entre os agentes, têm mostrado limitações significativas. Por exemplo, simplesmente ignorar essas externalidades leva a uma operação subótima, mesmo em mercados competitivos, enquanto consórcios enfrentam barreiras de implementação no contexto brasileiro.
O mecanismo de Reservatórios Virtuais propõe solução alternativa. Nesse modelo, a operação física das cascatas permanece sob controle central, mas a gestão agregada do reservatório virtual é descentralizada. Agentes participam ativamente submetendo ofertas, que orientam o uso dos recursos hídricos. Essas ofertas permitem a incorporação de informações locais descentralizadas, o que melhora a alocação e uso da água. O operador utiliza essas ofertas para gerir o reservatório como um todo, respeitando diretrizes baseadas no mercado, mas sem concentrar excessivamente o poder de decisão.
Uma das características desse modelo é a descentralização dos direitos de propriedade, uma proposta para garantir divisão mais equitativa do acesso aos recursos hídricos e reduzir o poder de mercado de grandes agentes. Além disso, o modelo pretende favorecer a mitigação de externalidades sem necessidade de centralização total ou custos elevados, enquanto incorpora inteligência local ao processo de decisão, possibilitando maior flexibilidade e adaptação às condições reais.
Funcionamento de reservatórios virtuais
Gabriel Cunha, Diretor Técnico da PSR, apresentou visão de como os reservatórios virtuais funcionam na prática. Explicou que, embora a operação física da cascata permaneça sob o controle do operador, a gestão agregada dos reservatórios virtuais é distribuída entre os agentes. Esses agentes submetem suas ofertas, que são integradas para formar uma visão consolidada da operação do reservatório virtual. O operador, então, utiliza essas informações para otimizar o uso dos recursos, respeitando as diretrizes impostas pelas ofertas aceitas.
Ele também destacou a importância de funções de agregação para consolidar dados físicos e virtuais, que permitem a construção de fluxos financeiros compatíveis com os sinais de preço do mercado. Isso garante que as medições físicas e as ofertas financeiras estejam alinhadas, minimizando distorções e otimizando a operação.
Outro ponto destacado foi a transparência. Gabriel explicou que, para o mecanismo de reservatórios virtuais ser amplamente aceito e adotado, é crucial que as regras do jogo sejam claras para todos os participantes. Isso inclui a garantia de que a dupla liquidação, com medições ex-ante e ex-post, seja aplicada de maneira confiável. A transparência também é reforçada pela compatibilidade do mecanismo com outros modelos de oferta, permitindo integração fluida no mercado. Gabriel enfatizou que o mecanismo de reservatórios virtuais não é apenas uma solução técnica, mas avanço estratégico que pode transformar a forma como o setor elétrico brasileiro lida com desafios mais complexos.
O Meta II ainda tem mais um ano de estudos e, no fim, será compartilhado com as autoridades do setor para orientar o Poder Executivo na tomada de decisão. Confira mais detalhes no site do projeto. https://www.meta2formacaodepreco.com.br/