Bento Albuquerque, do MME: modernização do setor deve ser responsável e fundamentada
Canal Energia – Reportagens Especiais – 31/05/2019
Em entrevista, o ministro fala em expansão da oferta, prioridade para Roraima, retomada de Angra 3, Eletrobras e abertura do mercado do gás natural
O Ministério de Minas e Energia trabalha para apresentar até o fim do ano um diagnóstico com as linhas gerais e até mesmo com a apresentação de medidas de modernização do setor elétrico, mas defende que alterações tão significativas nas regras de funcionamento do mercado sejam feitas “de forma responsável e fundamentada”, sem ceder a pressões por ações imediatas. Da mesma forma com que promete seriedade no trato de assuntos polêmicos na reestruturação do modelo do setor, o ministro Bento Albuquerque também destaca a preocupação com o aperfeiçoamento das regras dos leilões de expansão e garante que o governo tem “alternativas adequadas para assegurar o suprimento do sistema” com a retomada do crescimento econômico.
“Na medida em que haja indicação de aumento na demanda planejada no ambiente regulado e livre, a oferta de energia e a expansão da transmissão serão adequadas à nova realidade, garantindo-se a segurança e a qualidade do atendimento”, disse Albuquerque em entrevista à Agência CanalEnergia.
O ministro também destacou a importância da linha de transmissão Manaus-Boa Vista como opção mais adequada para integração do estado de Roraima ao Sistema Interligado e reforçou a prioridade para a retomada das obras da usina nuclear Angra 3. O futuro do empreendimento está intimamente ligado à própria reorganização da máquina federal na área nuclear (com a transferência para o MME das estatais Industrias Nucleares do Brasil e Nuclebrás Equipamentos Pesados) com o objetivo de tornar a Política Nuclear Brasileira mais efetiva.
Albuquerque também defende um modelo de capitalização para a Eletrobras que permita à estatal recuperar a capacidade de investimento e as ações em estudo pelo governo para abertura do mercado do gás natural. A expectativa é de que essas ações possam ser detalhadas na primeira quinzena de junho. Confira abaixo a entrevista:
Agência CanalEnergia: O Congresso Nacional está com algumas medidas importantes para o setor em discussão, como propostas originadas da Consulta Pública 33 e para resolver o risco regulatório. Como estão as tratativas para o andamento destas questões?Poderemos ver a solução destas questões ainda este ano? O que está segurando essa movimentação?
Bento Albuquerque: As propostas originadas da Consulta Pública 33 são um grande norte para as discussões que estamos desenvolvendo no Ministério de Minas e Energia (MME) com as entidades vinculadas e com os agentes setoriais, num processo que chamamos de “Modernização do Setor Elétrico”. É visível que as propostas visavam à ampliação do mercado livre de energia, mas há diversas outras alterações no marco setorial que precisam guardar consistência entre si e ter eficácia para preservar a expansão sustentável do setor e o menor custo global do sistema elétrico para qualquer consumidor. O consumidor precisa pagar pela energia e pelo serviço prestado pelo sistema elétrico (desde o custo do uso das linhas de transmissão e de distribuição até a otimização dos nossos recursos hidroenergéticos e elétricos) ao preço mais eficiente possível.
Estamos trabalhando para apresentarmos as respostas aos anseios dos agentes setoriais e dos consumidores ainda neste ano, mas sabemos também que o trabalho de alterar as regras de funcionamento de um setor que hoje funciona e vem garantindo a oferta e a expansão tem que ser feito de forma responsável e fundamentada, por isso também não nos deixaremos pressionar para tomarmos decisões açodadas que comprometam um setor que hoje é considerado referência no Brasil por ter regras complexas, mas mesmo assim estar baseado essencialmente em investimentos privados.
“Estamos trabalhando para apresentarmos as respostas aos anseios dos agentes setoriais e dos consumidores ainda neste ano(…)”. Bento Albuquerque, do MME
Agência CanalEnergia: A forma de contratação dos leilões tem sido bastante questionada pelos agentes. Sabemos que há uma compreensão dentro da EPE que isso precisa ser aperfeiçoado. Podemos esperar uma contratação mais eficiente já nos leilões desse ano? O que está sendo pensado? Que instrumentos o governo pode usar para garantir que toda a energia necessária à eventual retomada do crescimento econômico será contratada, uma vez que não se espera uma grande demanda das distribuidoras?
Bento Albuquerque: Os leilões de energia nova são muito atrativos e competitivos. E, sem dúvida, continuam despertando grande interesse por parte dos investidores. Apesar disso, há aprimoramentos e aspectos específicos do processo, os quais estão sendo avaliados internamente pelo Ministério. Eventuais mudanças, se necessárias, ocorrerão com previsibilidade. O Ministério conta com diversos instrumentos para garantir a segurança do suprimento eletroenergético nacional. Com a retomada do crescimento, dispomos de alternativas adequadas para assegurar o suprimento do sistema, principalmente pela oferta de projetos habilitados das diversas fontes de geração de energia.
Agência CanalEnergia: Com a demanda retraída, devemos ver leilões de transmissão menores no curto prazo?
Bento Albuquerque: O planejamento da expansão dos sistemas de geração e transmissão considera o atendimento da demanda e seu crescimento no horizonte de análise, visando a definir o conjunto de obras que serão necessárias para garantir a continuidade no atendimento com segurança e qualidade, ao menor custo global ao consumidor. A demanda retraída, resultado da situação econômica vivida no país nos últimos anos, tem reflexos no planejamento da oferta e de atendimento de energia implicando, por consequência, no planejamento dos novos empreendimentos de transmissão. Na medida em que haja indicação de aumento na demanda planejada no ambiente regulado e livre, a oferta de energiae a expansão da transmissão serão adequadas à nova realidade, garantindo-se a segurança e a qualidade do atendimento.
Agência CanalEnergia: Roraima tem sido um ponto de preocupação para o governo em decorrência da questão na Venezuela. O linhão é a forma considerada ideal para abastecer o estado. O que MME está disposto a fazer para viabilizar esse projeto, do ponto de vista ambiental, jurídico e econômico-financeiro? Reajustar a RAP para os atuais empreendedores ou relicitar o empreendimento novamente, qual a melhor saída?
Bento Albuquerque: O linhão é a forma mais adequada, sob a ótica de planejamento da expansão, para interligar e abastecer o estado de Roraima, que é o único estado cuja capital ainda não é suprida pelo Sistema Interligado Nacional – SIN. É também uma questão de isonomia com os demais estados brasileiros para a população local.
Com a crise na Venezuela e a consequente interrupção do fornecimento de energia proveniente daquele país, Roraima tem enfrentado desafios adicionais de abastecimento de energia, o que torna a solução para um suprimento sustentável de energia no estado ainda mais urgente. E quando temos o componente “urgência” na mesa, é inegável que poder preservar o atual contrato de concessão do linhão que foi objeto de um leilão em 2011, com as licenças já concedidas, as relações com a população indígena já bem encaminhadas através do amplo diálogo e os investimentos já realizados, é uma solução que, na visão do Governo, preferimos, porque uma nova licitação implica partir do zero. Atualmente, estamos trabalhando para viabilizar o empreendimento nesse contexto.
Além disso tudo, em todas as localidades não atendidas pelo SIN, como é o caso de Roraima, quem paga o custo do fornecimento da energia que ultrapassar o custo médio do SIN são todos os consumidores do Brasil, por meio do encargo setorial chamado Conta de Consumo de Combustíveis (CCC). A interligação é, assim, uma possibilidade de reduzirmos o subsídio CCC, em linha com nossa política de dotar encargos e subsídios de maior eficiência, focalização e transparência.
Agência CanalEnergia: Outro tema importante do setor é a retomada das obras de Angra 3. A usina foi incluída como projeto prioritário no PPI. Isso facilita o andamento do processo de escolha de um parceiro para o empreendimento ainda esse ano?
Bento Albuquerque: Sim. A resolução do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) viabiliza a estrutura de governança no âmbito do Governo Federal que acompanhará os estudos, a seleção competitiva do parceiro e a implantação do empreendimento.
Agência CanalEnergia: O Ministério assumiu algumas estatais da área nuclear na reorganização da máquina federal realizada pelo presidente Bolsonaro. Qual é a intenção do MME ao assumir INB e Nuclep? Teremos uma retomada do programa de usinas nucleares, pós-Angra 3?
Bento Albuquerque: A reorganização da máquina federal na área nuclear é um claro reflexo da prioridade que o governo do presidente Bolsonaro dá à efetividade da Política Nuclear Brasileira – PNB que tem, entre um de seus três pilares, a viabilização de Angra 3. O MME está comprometido a acompanhar de perto a gestão da INB e Nuclep, que são empresas estatais dependentes do orçamento fiscal da União, zelando pelo eficiente uso dos recursos públicos e pela entrega de serviços que sejam úteis à sociedade e alinhados à política nacional para o setor.
Essas empresas são relevantes também para a continuidade da expansão da geração de energia nucleoelétrica, peça integrante da política de diversificação das matrizes energética e elétrica brasileiras, como já consta no Plano Nacional de Energia – PNE 2030 e deverá também constar do PNE 2050, a ser publicado este ano. Entretanto, na prática, como a geração de energia nuclear é monopólio da União exercido pela Eletronuclear, é imprescindível que viabilizemos a conclusão de Angra 3, para que a empresa tenha capacidade de expandir suas atividades. Não há dúvidas que Angra 3 tem tudo para se tornar um ativo relevante para o sistema elétrico, em termos de geração de energia na base e no centro de carga, contribuindo sobremaneira para a confiabilidade do SIN e o cumprimento das NDC (National Determined Contribution) assumidas pelo Brasil para redução de gases de efeito estufa no Acordo de Paris, assim como já faz Angra 1 e Angra 2, que têm desempenho operacional em termos de segurança e disponibilidade excepcionalmente bom, reconhecido internacionalmente.
Agência CanalEnergia: Em relação a Eletrobras, havia o plano de capitalização da holding, mas apareceu a ideia de se capitalizar as subsidiárias. Como está essa discussão? Qual a tendência do governo atualmente: capitalizar a holding ou as subsidiárias? Há a possibilidade ainda de venda do grupo, excluindo as áreas que não podem ser privatizadas?
Bento Albuquerque: O Governo está estudando as possíveis modelagens que viabilizem a capitalização da Eletrobras. Por que falamos em capitalização e não em privatização ou desestatização? Porque precisamos ter em mente que o objetivo dessa política é restabelecer a capacidade de investimento da Eletrobras. A Eletrobras precisa de recursos do mercado para voltar a ser o grande player no setor elétrico que já foi no passado, até porque a União, enquanto acionista, não possui recursos para aportar na empresa, haja vista o esforço de priorização na aplicação dos recursos federais que o governo vem envidando diariamente, com áreas super sensíveis como segurança pública, educação e saúde. Não podemos nos esquecer, entretanto, que o setor elétrico requererá investimentos da ordem de R$ 400 bilhões até 2027. Precisamos de empresas que possam acompanhar nosso ritmo de crescimento, apostando nos nossos leilões, ampliando a competição e levando a preços mais eficientes para o consumidor.
Atualmente, encontra-se em estudo pelo governo a modelagem de capitalização, com objetivo de aumentar a capacidade de investimento, o que implica, naturalmente, preservar sob o controle da União as atividades que não podem ser privatizadas.
“Por que falamos em capitalização e não em privatização ou desestatização? Porque precisamos ter em mente que o objetivo dessa política é restabelecer a capacidade de investimento da Eletrobras”
Agência CanalEnergia: Há um debate no setor sobre realização de leilões de energia por fontes e até regionais. Por exemplo, um térmico para o Nordeste. Como o senhor vê essa questão? Acha necessário esse tipo de contratação?
Bento Albuquerque: A segmentação de leilões por regiões geoelétricas é ferramenta prevista na legislação em vigor, e sua utilização deve ocorrer apenas quando houver bases racionais que os justifiquem. Esses temas serão discutidos no âmbito do MME, também por meio de consultas públicas, com o objetivo de aprimorar os processos adotados atualmente.
Agência CanalEnergia: O ministério está se preparando para apresentar um novo plano para desenvolver o mercado de gás natural no país. Quais são os principais destaques e objetivos desse plano? O MME tem citado as térmicas como âncora do programa. Como fazer para estimular a construção desses projetos, tendo em vista a baixa demanda das distribuidoras?
Bento Albuquerque: As ações do governo federal estão sendo conduzidas no âmbito do programa intitulado “Novo Mercado de Gás”, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia e desenvolvido em conjunto com o Ministério da Economia, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O programa parte da experiência e do conhecimento acumulado na iniciativa Gás para Crescer, que contou com a participação direta de mais de uma centena de agentes, públicos e privados, e que trouxe um conjunto de propostas para o setor.
O “Novo Mercado de Gás”, que objetiva o desenvolvimento de um mercado aberto, dinâmico e competitivo, está amparado em quatro pilares, quais sejam: a promoção da concorrência, a integração do gás com os setores elétrico e industrial; a harmonização das regulações estaduais e federal; e remoção de barreiras tributárias. Espera-se, com as medidas em discussão, melhorar aproveitamento do gás do Pré-sal, da bacia de Sergipe/Alagoas e outras descobertas; ampliar investimentos em infraestrutura de escoamento, processamento e transporte de gás natural; aumentar a geração termelétrica a gás e retomar competitividade da indústria.
Vale destacar as atividades em andamento no âmbito do Comitê para Promoção da Concorrência no Mercado de Gás Natural no Brasil. Instituído pela Resolução CNPE no 4, de 9 de abril de 2019, o Comitê tem até sessenta dias para conclusão dos trabalhos. Até o dia 20 de maio, já foram realizadas 25 reuniões, tendo sido ouvidos 27 agentes nesse processo. Conforme consta na resolução, compete ao Comitê: (i) propor medidas de estímulo à concorrência no mercado de gás natural; (ii) encaminhar ao CNPE recomendações de diretrizes voltadas à promoção da livre concorrência no mercado de gás natural; e (iii) propor ações a entes federativos para a promoção de boas práticas regulatórias.
Quanto ao uso de térmicas âncoras, a questão deve ser avaliada sob a ótica da integração entre os setores elétrico e de gás natural. A sinergia entre esses setores pode, ao mesmo tempo, viabilizar a monetização de importantes reservas de gás e contribuir para a redução do preço da energia termelétrica no país. As formas de fazê-lo, contudo, ainda precisam ser melhor detalhadas e discutidas. Importante ressaltar também que há enorme potencial a ser desenvolvido no mercado não termelétrico, que deve responder de forma bastante positiva à sinalização de redução no preço futuro do gás.
Por fim, prevê-se no Novo Mercado de Gás incentivos ao aperfeiçoamento das regulações estaduais dos serviços de distribuição de gás canalizado. Esses incentivos seriam feitos através dos Programas de Transparência e Equilíbrio Fiscal (PEF) e de Fortalecimento das Finanças Estaduais (PFE), atualmente em discussão no Ministério da Economia. As propostas envolvem mudança legislativa e ainda necessitam passar pelo Congresso Nacional.