Na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, Paulo Guedes discorreu sobre a importância da liberação dos mercados no Brasil e sobre os seus inquestionáveis conhecimentos dos processos de recuperação econômica em épocas e países distintos. O mais notável desses processos ocorreu na Alemanha, 3 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Ludwig Erhard, liberal de carteirinha, foi nomeado diretor de administração econômica da Alemanha e implantou um vitorioso plano econômico composto por uma ampla reforma monetária, fim do controle de preços e da produção, completa abolição dos controles burocráticos impostos ao país entre 1945/48 e forte crença no mercado livre. No dia seguinte à implantação do Plano, 19 de junho de 1948, e nos anos seguintes, a economia alemã sofreu uma transformação brusca e experimentou um crescimento econômico fantástico por décadas.
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Ao contrário de Ludwig Erhard, que enfrentou condições muito adversas, Paulo Guedes tem um Mar de Almirante pela frente, abaixo descrito, para liberar imediatamente todo o mercado elétrico brasileiro à competição, graças ao trabalho do seu colega Bento Albuquerque, que já implementou medidas acabando com reservas de mercado setoriais e nos últimos 20 meses avançou nos estudos que embasam a reforma desse mercado.
A pandemia trouxe uma sobra estrutural de oferta para os próximos anos e um cenário de preços baixos no mercado livre que podem ajudar a competitividade do setor produtivo, em particular da pequena e média indústria, com demanda inferior a 500 kW (custo mensal de energia em torno de R$ 100mil), que hoje não estão autorizados a participar do mercado livre;
há sobra estrutural de oferta, mas não há mercado, pois quase todos os consumidores autorizados legalmente já estão incorporados ao mercado livre, que proporcionou R$ 203 bilhões em custos evitados na compra de energia do setor produtivo ao longo dos últimos 18 anos;
a pandemia, inclusive, mostrou que se todos os consumidores fossem livres, o problema a ser enfrentado pelo governo seria menor, pois o mercado tem se autorregulado, oferecendo valiosa contribuição baseada no respeito aos contratos que amplia a confiança do investidor. Portanto, o ambiente regulado (ACR) tem simplesmente que acabar, pois quanto mais tempo durar, mais agonia, suplício e prejuízos trará aos consumidores. Em 2002, foi o tarifaço (RTE) para socorro ao setor elétrico devido aos impactos do racionamento; em 2014/15, foi o empréstimo (conta ACR) para socorro às distribuidoras visando corrigir as barbeiragens regulatórias da MP 579 e em 2020 teremos a Conta-covid;
já existem mecanismos de financiamento apropriados para a expansão da geração de energia elétrica no Brasil via mercado livre, um dos quais criado e utilizado pelo BNDES;
o mercado livre de energia elétrica já responde por 38% do novo parque gerador em construção no país. Portanto, mais mercado, mais expansão da oferta livremente negociada sem a tutela do governo, tão logo o país necessite de nova geração;
estudos da Abraceel previam, antes da crise, que se 4 milhões de empresas no Brasil tivessem acesso ao mercado livre de eletricidade poderiam ser gerados 420 mil novos empregos, pela redução de custos da energia e pelo consequente aumento da competitividade da economia brasileira. Mas estudos são estudos e o que importa é a ação das forças de mercado quando há crença real na sua capacidade transformadora.
No momento, o grande desafio do governo é manter a perseverança no caminho traçado e a inquebrantável disposição ao embate, necessários ao enfrentamento do ardiloso, poderoso e multifacetado lobby da indústria elétrica que, visando a manutenção dos seus privilégios e subsídios, se apega ao famoso “o diabo mora nos detalhes” para requerer mais estudos, destinados unicamente à postergação da abertura de mercado elétrico, que já foi implantada em quase todos os países que importam na economia mundial e está prevista há pelo menos 25 anos no Brasil.
Convém lembrar que a maioria das medidas necessárias para a abertura do mercado elétrico não dependem de autorização legal, visto que as Leis de Concessões (Lei 8.987 e 9.074, ambas de 1995), transferiram essa incumbência ao poder concedente – Ministério de Minas e Energia. Portanto, está na mão do governo a portabilidade da conta de luz e o fim do nefasto mercado regulado que só se sustenta com o repasse de custos decorrentes da ineficiência do Estado na gestão da compra de energia para 82 milhões, acrescidos do pagamento de juros quando ele decide não repassá-los imediatamente.
Em 1948, Ludwig Erhard, quando confrontado sobre a autorização necessária para reduzir os entraves burocráticos da economia, disse simplesmente aos generais aliados (EUA, Inglaterra e França) que governavam a Alemanha Ocidental no pós guerra: desculpem, eu não as reduzi, eu as aboli! Continuou ministro e implantou seu plano. Os produtores e consumidores alemães agradecem até hoje.
17.06.2020