Consumidor deverá pagar os custos apenas na medida em for beneficiado, sem subsídio cruzado entre ambientes de contratação e considerando a questão temporal e proporcional no caso de migração para o mercado livre.
O setor elétrico brasileiro sofre as consequências da pandemia do coronavírus, em especial com a redução do consumo e o aumento da inadimplência. As consequências negativas atingem todo o setor, sobretudo o mercado livre, que tem apresentado retração no consumo maior do que o ambiente regulado.
Comercializadores, por exemplo, enfrentam inadimplência nos contratos bilaterais e sofrem com o acionamento de cláusulas de flexibilidade em massa de suas contrapartes – apenas parte do desafio, dado que outras soluções oferecidas, como diferimentos e parcelamentos, também acabam pressionando o caixa do segmento.
O empréstimo da Conta Covid, mesmo concentrado na preservação dos fluxos regulados com compra de energia, transmissão, distribuição e encargos, foi bem recebido pelo segmento de comercialização, já que busca preservar o respeito aos contratos e a sustentabilidade do setor como um todo.
Portanto, é essencial que, em linha com a recomendação do Gabinete de Monitoramento da Situação Elétrica da Aneel, constante da Nota Técnica 01/2020-GMSE, “as soluções propostas para os mercados regulados não impactem negativamente a possibilidade de o mercado livre encontrar suas próprias soluções”.
Nesse sentido, o principal desafio da Aneel na regulamentação da Conta Covid nos parece ser o de assegurar que os custos do empréstimo serão corretamente alocados conforme sua estrutura e cobrados apenas na proporção do “benefício” que forem auferidos, sem subsídio cruzado entre agentes e ambientes de contratação.
“Benefício” aqui é retratado com ressalva, porque, mesmo diante dos severos efeitos da pandemia, a maioria dos consumidores permanece honrando suas obrigações e é certo que muitos prefeririam arcar com os custos neste momento, ao invés de postergá-los com a incidência de juros.
Como essa opção não foi concedida, é importante que o regulador impeça a cobrança do empréstimo quando não se fizer uso do “benefício”, em respeito à estabilidade regulatória e à segurança jurídica.
Como exemplo de uso do empréstimo por parte do consumidor livre estão a postergação de encargos e eventual diferimento do faturamento da demanda contratada, ativos regulatórios que têm sua estrutura de custos alocados na Tarifa de Uso do sistema (TUSD). Porém o consumidor livre não deve arcar com qualquer custo relacionado, por exemplo, à compra de energia, já que essa parcela já é de sua responsabilidade no mercado livre.
Outro ponto fundamental diz respeito à proporcionalidade e temporalidade na cobrança dos custos do consumidor que migrar para o mercado livre. Dada a possibilidade de o consumidor concluir seu processo de migração antes mesmo do fim dos repasses do empréstimo, que se encerram em 31/12/2020, esse pode deixar de auferir vários “benefícios” que não serão mais devidos.
Por isso, deve ficar claramente estabelecido que o consumidor migrante deve pagar os custos incorridos como consumidor cativo apenas “até a data de início da compra de energia no mercado livre”, preservando a questão temporal e proporcional entre o custo e o “benefício” para não onerar indevidamente agentes que já estarão assumindo o risco da contratação da própria energia.
A medida não busca, em hipótese alguma, eximir os consumidores de custos de sua responsabilidade, ou de vantagens que venham a receber, mas tão somente de assegurar que esses sejam cobrados na proporção do ônus que imputam ao sistema, e de quando imputam ao sistema.
Esse tratamento também é fundamental caso o repasse de recursos da Conta Covid se estenda para além de dezembro ou o montante do empréstimo seja insuficiente, pois, mesmo definindo os limites e prazos, há imprevisibilidade no desenvolvimento da crise sanitária, que vão além das projeções já realizadas.
Outro ponto de atenção na regulamentação da Conta Covid diz respeito à possibilidade de diferimentos e parcelamentos do faturamento da demanda do Grupo A, medida capaz de aliviar a pressão de caixa de diversos consumidores nesse cenário de severa contração econômica.
Tendo em vista a determinação da Aneel de respeito aos contratos e da livre negociação, entendemos que é preciso haver coerência, equilíbrio e isonomia nas negociações entre consumidores e distribuidoras, principalmente no sentido de garantir o tratamento não discriminatório.
Também é fundamental resguardar os associados da CCEE em caso de inadimplência, considerando que a Câmara é a tomadora do empréstimo. Deve ser garantido que os membros da CCEE não tenham qualquer responsabilidade subsidiária com o empréstimo.
Por fim, como condição à liberação dos recursos, as distribuidoras deverão assinar Termo de Aceitação em que consta, entre outras, impeditivo à suspensão ou redução de contratos de compra e venda de energia em razão de eventual diminuição do consumo verificada até o final de 2020.
Porém, diferentemente do disposto no Decreto 10.350, a minuta de Resolução especifica apenas CCEARs, o que não incluiria, por exemplo, os contratos bilaterais, o que cria insegurança jurídica. Por isso, é preciso adequar a resolução ao disposto no Decreto para garantir o respeito a todos os contratos, em linha com os princípios defendidos pela Aneel.
Yasmin Oliveira e Bernardo Sicsú são, respectivamente, assessora e diretor da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia.
Fonte: Canal Energia
10.06.2020