por Newton Duarte e Zilmar de Souza*
Nesse momento particularmente difícil que vem enfrentando, em função da pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), o País está diante de uma oportunidade crucial para o futuro de seu setor energético: a aprovação do Projeto de Lei 3.975/2019. Se aprovado no Senado Federal e sancionado pelo Poder Executivo, o PL 3.975/2019 poderá simultaneamente atacar dois problemas (1) destravar um mercado judicializado desde 2015 por liminares ajuizadas por conta do risco hidrológico, o chamado GSF (Generating Scaling Factor); e (2) mitigar os severos efeitos financeiros da pandemia sobre todos os elos da cadeia do setor elétrico.
Prevista no PL 3.975/2019, a solução quanto à judicialização do GSF vai também atenuar as consequências da pandemia, que, além das perdas humanas irreparáveis, reduziu drasticamente a atividade da indústria, comércio e serviços, provocando um tombo no consumo de energia elétrica. O recuo foi de 11% entre os dias 21 de março e 8 de maio, na comparação com idêntico período em 2019, de acordo com dados preliminares da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Diante dessa situação, o governo federal editou a Medida Provisória 950 (MP 950/2020, de 8 de abril de 2020), fixando ações emergenciais e temporárias.
As medidas procuraram abrandar a perda da capacidade de pagamento de beneficiários da tarifa social e, ainda, amenizar a perda de capacidade financeira das distribuidoras de energia elétrica duramente afetadas não só com a redução de receita tarifária, mas com o aumento da inadimplência. Uma evidência disso é que em dois meses, entre 18 de março e 17 de maio deste ano, o impacto da pandemia sobre as distribuidoras de energia atingiu R$ 5,4 bilhões, segundo levantamento do Ministério de Minas e Energia (MME).
Para amortecer esses efeitos, a MP 950/2020 estruturou uma operação de crédito. O alívio financeiro vem por meio de uma instituição de encargo tarifário por parte dos consumidores atendidos pelas distribuidoras no Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e para aqueles que migrarem desta modalidade para o Ambiente de Contratação Livre (ACL), o chamado mercado livre. Cabe ressaltar que mesmo o mercado livre não está imune aos efeitos da pandemia. A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), por exemplo, estima em R$ 5 bilhões o prejuízo das comercializadoras decorrente da diminuição de consumo no ambiente livre ao longo de 2020.
Neste cenário, os já citados MME e CCEE e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com as contribuições de agentes do setor, partiram em busca de mecanismos capazes de prover fluxo de caixa às distribuidoras, consumidores, geradores e comercializadoras de energia no ACL, procurando diminuir impactos sobre os principais elos da cadeia, garantindo, por exemplo, o volume necessário na operação de crédito às distribuidoras mediante custeio em encargo nas tarifas de energia elétrica.
E a solução imediata para uma questão que vem travando o setor energético, a judicialização do GSF, faz parte do rol destes mecanismos de liquidez em tempo de pandemia de Covid-19, sendo uma diretriz importante para a cadeia produtiva do setor elétrico brasileiro.
Nessa lógica, as sobras contratuais dos agentes (potencializadas pela pandemia), que não puderem ser renegociadas, necessariamente serão liquidadas no Mercado de Curto Prazo (MCP), que se encontra praticamente paralisado desde 2015. Um dado que reforça a necessidade de solução para o problema é da CCEE. De janeiro a maio de 2020, o percentual recebido pelos credores sem proteção liminar nas liquidações financeiras no MCP foi de apenas 1,6%, abaixo até mesmo do percentual em 2019 (3,5%).
O assunto do GSF e a proposta de um acordo geral estão bem encaminhados no Projeto de Lei 3.975/2019, pronto para ser votado no plenário do Senado Federal após ter sido aprovado na Câmara dos Deputados e nas comissões do próprio Senado. Com a aprovação no Senado, e a sanção do Projeto de Lei, será possível destravar, quase de imediato, na liquidação da CCEE, mais de R$ 8,4 bilhões em recursos.
Outra vantagem da sanção do PL, se aprovado, será a abertura da possibilidade de novos negócios no ambiente do MCP e o retorno à normalidade nas liquidações financeiras nesse mercado spot. Estima-se que somente os geradores de energia elétrica a partir da cana-de-açúcar (bioeletricidade) tenham entre 400 e 500 milhões de Reais retidos no MCP. Eles vêm sendo castigados por decisões judiciais em processos dos quais eles nem sequer são parte.
Num momento em que o setor sucroenergético passa por grave crise financeira, derivada da redução de preço e de demanda do etanol, é fundamental que o Senado Federal tenha a sensibilidade de pautar, em caráter emergencial, a votação do Projeto de Lei 3.975/2019 no plenário virtual daquela Casa.
A medida será duplamente importante. Será capaz de garantir recursos essenciais para aplacar uma crise sistêmica em todos os elos do setor elétrico, em função da pandemia do Covid-19, e, ao mesmo tempo, de assegurar uma solução para um impasse que vem travando recursos bilionários e inibindo investimentos diante dessa insegurança jurídica que perdura desde 2015 no MCP. É uma chance que o País não pode desperdiçar.
*Newton Duarte, presidente executivo da Cogen (Associação da Indústria de Cogeração), e Zilmar de Souza, gerente de Bioeletricidade da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar)
Fonte: Portal Unica
03.062020