A aprovação da Nova Lei do Gás na noite de ontem (1º) pela Câmara dos Deputados é comemorada por boa parte do mercado. No caso dos comercializadores de energia elétrica, o sentimento é o mesmo, já que o setor prevê uma queda no preço do combustível e aumento de competitividade da indústria nacional. “Agora, com aprovação da Nova Lei do Gás, temos a expectativa que esse mercado deslanche efetivamente. Muitos consumidores desejam acesso a um energético mais barato e competitivo”, disse o presidente-executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo de Medeiros. O entrevistado acrescenta que com o gás natural mais barato, a geração de eletricidade também será beneficiada já que as usinas térmicas devem pagar menos pelo insumo. Contudo, apesar do otimismo, Medeiros alerta que para alcançar logo todos esses benefícios que têm sido propagados, será preciso agilidade por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para regulamentar o novo marco legal. “Esperamos que, com as novas indicações de diretores da ANP, surjam nomes com visão de mercado. É preciso ter novas pessoas na agência, com visão diferente do que tem sido feito [na regulação]”, opinou. Para entrar em vigor, a nova lei ainda depende do aval do Senado.
Gostaria de ouvir do senhor qual a visão do setor elétrico e da associação sobre a Nova Lei do Gás.
A Abraceel é uma associação de comercializadores de energia e o gás é um energético. Então, existem vários associados da Abraceel que estão interessados no mercado de gás natural. Do ponto de vista do setor de energia elétrica, é possível que o gás natural mais barato seja favorável à competição, fazendo com que esse energético entre nas usinas térmicas de forma mais competitiva. É isso que se deseja.
Nós da Abraceel, nesta perspectiva de evolução do modelo comercial do setor, fizemos uma proposta ao Ministério de Minas e Energia, que é a criação do Mercado de Capacidade, que visa criar um encargo para os consumidores no momento em que existir a necessidade de alguma fonte específica, como o caso da térmica. Essa proposta, se implantada pelo governo, favorecerá bastante a penetração do gás natural de uma forma competitiva na matriz elétrica brasileira.
Mas, do ponto de vista da Abraceel, o nosso interesse específico é a criação de um mercado de gás. Porque imaginamos que os comercializadores têm um papel fundamental nesse novo mercado, assim como eles já possuem esse papel no setor de energia elétrica. Quando se aprovou a antiga lei do gás [Lei nº 11.909 de 4 de março de 2009], há 11 anos, a expectativa era que esse mercado [mais competitivo] fosse criado. Muitos comercializadores já estavam de olho nesse segmento, que nunca se viabilizou.
Agora, com a aprovação da Nova Lei do Gás, temos a expectativa que esse mercado deslanche efetivamente. Muitos consumidores desejam acesso a um energético mais barato e competitivo. Quando é estabelecido o modelo de entrada e saídas no setor de gás natural, isso favorece bastante a competição e os consumidores terão acesso a um energético mais barato. As comercializadoras têm um papel fundamental em toda essa cadeia do gás de natural.
Existia um debate sobre a necessidade de mudanças no texto, que não foram efetivadas pelos deputados. Qual era a visão da Abraceel sobre isso?
A nossa visão era muito clara: aprovar o conteúdo que foi aprovado na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Esse foi o texto base que apoiamos. Na nossa visão, esse texto contribuirá para que tenhamos um mercado competitivo, onde quem se beneficiará serão os consumidores e empreendedores.
O projeto facilita a entrada de novos players no mercado. E quanto mais players, mais competição e um menor preço do energético. Essa é a experiência do setor de energia elétrica aqui no Brasil. O consumidor livre comprou, nos últimos 18 anos, energia 27% mais barata em média do que se tivesse adquirido com a tarifa regulada. Isso é um fato inegável. Então, a exemplo do que aconteceu no setor de energia elétrica, nós esperamos que essa competição [no gás] traga esses mesmos benefícios para os consumidores e para a indústria nacional.
A mesma coisa pode ser feita no setor de energia elétrica também. Porque apenas uma parcela reduzida, cerca de 20 mil consumidores, tem acesso ao mercado livre. O que se espera é que todos os consumidores do segmento produtivo (no Brasil nós temos quase 4 milhões de empresas) tenham acesso a um energético mais barato. O setor do gás não tem competição e, por conta disso, tem preços elevados se comparado com valores em outros mercados mundiais.
Muito se espera que a Nova Lei do Gás ajude a industrializar mais o país, o que deve trazer um efeito positivo também para o mercado livre…
É claro. Existe um mercado livre fictício que nunca funcionou no Brasil, porque prevaleceram as condições de monopólio. O que se espera é verdadeiramente quebrar o monopólio e estabelecer a competição. Isso é uma realidade em todos os demais mercados energéticos do mundo, tanto no gás quanto na eletricidade. O que se espera é um mercado competitivo onde o consumidor tenha acesso ao energético sem que tenha que adquirir ele por meio de um ente monopolista.
O PL do Gás é apontado como um dos pilares do choque de energia barata defendido pelo ministro Paulo Guedes. Ampliar o acesso ao mercado livre poderia também ajudar a reduzir o preço de energia para o consumidor?
Hoje, de imediato, o que nós temos no setor de eletricidade, em termos de energia barata, está disponível no mercado livre. É importante que novos consumidores tenham acesso ao mercado livre. É importante também que se crie esse mercado no setor de gás, para que o consumidor possa se beneficiar dessa competição [entre as empresas].
As nossas indústrias competem com o exterior, que possui um mercado livre amplo. Por exemplo, toda o mercado de eletricidade da Europa é aberto. A eletricidade é um insumo que está presente em toda a cadeia produtiva. Toda a indústria usa energia elétrica. E quanto mais barata a energia, melhor será para a competitividade e geração de emprego no Brasil.
A partir de quando o Brasil poderá sentir os efeitos esperados a partir da nova legislação do gás?
Depende da capacidade do Congresso Nacional de aprovar essa matéria e da capacidade da ANP regulamentar aquilo que é necessário. Será preciso que a ANP regulamente diversos aspectos do Novo Mercado de Gás. Esperamos que, com as novas indicações de diretores da ANP, surjam nomes com visão de mercado. A ANP, ao longo de sua história, se constituiu em uma agência que quase regula monopólio. É a única ou talvez uma das poucas agências do mundo a regular monopólio. É preciso ter novas pessoas na agência, com visão diferente do que tem sido feito até aqui.
Por exemplo, o mercado de etanol é regulamentado contra a competição. Um comercializador para atuar no mercado de etanol precisa dispor de tancagem, como se ele participasse da cadeia de produção. O ideal seria que a comercialização fosse livre, o que não ocorre hoje. Isso é imposto por uma resolução da ANP.
É preciso que novas pessoas tenham cargos diretivos na ANP daqui para frente e que o órgão passe a ter a visão de todas as demais agências reguladoras do mundo. Ou seja, ser uma agência reguladora de mercado e não agência reguladora contra o mercado. É necessário que isso aconteça e que a ANP dê agilidade para regulamentar essa lei tão logo o Congresso aprove.