Com a presença de mais de 350 profissionais de empresas associadas, a Abraceel realizou edição da live Sexta Livre no dia 12 de maio sobre um tema que ganha cada vez mais relevância, na medida em que a data de abertura do mercado a todos os consumidores atendidos em alta tensão – janeiro de 2024 – se aproxima: a estruturação da operação da comercialização varejista.
A Portaria 50/2022 do Ministério de Minas e Energia (MME) definiu que, a partir de janeiro de 2024, os consumidores de energia de alta tensão, classificados como Grupo A, poderão optar pela compra de energia elétrica de qualquer fornecedor. Além disso, os consumidores com carga individual inferior a 500kW deverão ser representados por agente varejista perante a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
O convidado especial da Sexta Livre foi o advogado Urias Martiniano, sócio do escritório Tomanik Martiniano Sociedade de Advogados, que ofereceu uma visão da estruturação contratual da operação do comercializador varejista, com atenção para a assunção de riscos e exposição por parte dos comercializadores, além de destacar aspectos para uma boa estrutura contratual tributária.
O especialista ainda ofereceu sugestões para aprimorar a atual regulação que rege o varejista. Ao final, apresentou proposta pela qual sugere que a comercialização varejista poderia operar por meio de parceria com o mercado de telecomunicações, especialmente o de fibra ótica.
Ausência de ônus além do que estiver em contrato ou regulamento
Martiniano discorreu sobre aspectos regulatórios e legais inerentes à modalidade varejista e apontou que a Lei 14.120/2021 trouxe dispositivo que veda qualquer ônus para o varejista, além daquilo que estiver previsto em contrato ou em regulamento da Aneel, derivadas de situações de encerramento da representação e do corte no fornecimento de energia elétrica.
A regulação, no entanto, disse o especialista, não deixa claro qual agente será responsável pela exposição financeira quando há suspensão do fornecimento por inadimplência, frisando que “o que está em lei e regulamento hoje não dá tratamento adequado para esse risco”.
Com relação aos requisitos para ser habilitado a operar como comercializador varejista, Martiniano explicou que, na visão do escritório, poderia ser revisto o atendimento a critérios de patrimônio líquido mínimo, em relação ao volume de energia comercializada. “Será que faz sentido exigir patrimônio líquido de um varejista que tem 10 unidades consumidoras e não atinge 1 MW”, questionou, para exemplificar.
Riscos excessivos devem ser evitados
Sobre aspectos contratuais, Urias Martiniano entende que poderiam ser fixados contratos com prazos inferiores a 30 dias, a despeito das normas regulatórias, pois deve prevalecer a natureza jurídica das negociações bilaterais feitas no mercado livre e a vontade das partes, que têm autonomia para isso.
Ele também recomendou a inserção de cláusula prevendo arbitragem nos contratos. Embora represente um custo relevante aos varejistas, a existência dessa cláusula pode facilitar a resolução de conflitos e, assim, diminuir riscos.
Outro risco abordado foi a assunção, sem limitações de custos, por parte do comercializador, da responsabilidade dos encargos setoriais, principalmente quando os contratos forem registrados na modalidade de preço fixo. Isso pode trazer, no limite, um impacto relevante em um momento crítico em que os encargos crescem. “Não se trata de um risco jurídico, mas sim comercial. Precisa avaliar com cuidado”.
No caso de contratos na modalidade de economia garantida, Urias ponderou que os comercializadores devem pesar os custos que vão assumir, evitando a assunção de riscos não gerenciáveis como ultrapassagem de demanda e inadimplência, disse.
Outra ponderação contratual foi a inclusão de uma cláusula que preveja indenização por perdas e danos ao comercializador, mesmo que já haja previsão de pagamento de multa por parte do representado quando ele decide trocar de fornecedor. Isso porque, em algumas situações, pode ser mais vantajoso pagar a multa e trocar de comercializador.
O advogado também alertou que é importante fazer uma boa análise e estruturação tributária para que a operação varejista não incorra em custos desnecessários, o que reduziria os ganhos, e que o Código de Defesa do Consumidor deve prevalecer, mesmo que o fornecimento esteja amparado em contrato bilateral, o que exigirá cuidados das empresas para comunicação e promoções, cobranças indevidas e publicidade invasiva, entre outros.
Mercado de telecomunicações pode ser base para comercialização varejista
Nesse ponto, Urias aproveitou para mostrar que o modelo de contratação no mercado de telecomunicações, em especial o de banda larga, pode servir de referência e apoio para as comercializadoras varejistas. Nesse mercado, a relação entre operadora e consumidor é intermediada por um regulamento da oferta dos serviços, análise de crédito, termo de contratação, contrato de prestação de serviço, contrato de locação de equipamentos e contrato de permanência.
O especialista propôs uma estruturação considerando a operação de telecomunicações e energia elétrica lastreada por um contrato de parceria entre a empresa de telecomunicações e a de comercialização de energia, numa situação em que a primeira deverá oferecer aos seus clientes o serviço de representação via comercializador varejista e/ou geração distribuída, recebendo por isso uma parcela da operação. Nessa estruturação, explicou, caberá à operadora de telecomunicações realizar todo o relacionamento com o consumidor.
A comercializadora pode ser responsável por outros instrumentos prestados diretamente ao consumidor, como um contrato de ganho garantido. Em complemento, a operadora de telecomunicação emite boletos de cobrança, arrecada os recursos e destina parcela deles às comercializadoras.