Analisando a perspectiva atual do mercado de energia elétrica em face dos impactos das medidas associadas ao controle da COVID-19 sobre os contratos de comercialização de energia elétrica, a Abraceel orienta seus associados para obediência aos contratos em face das eventuais alegações de caso fortuito ou força maior, afastando a possibilidade de interferências externas em questões comerciais bilaterais como segue:
(i) as partes que negociam no ACL são livres para determinar, contratualmente, as condições da comercialização, inclusive a incidência ou não de caso fortuito ou força maior – ou seus limites; portanto é imperativo que sejam observadas as disposições contratuais entabuladas entre as partes e as circunstâncias específicas que afetam – se é que afetam – a parte que invoca a pandemia como caso fortuito;
(ii) eventuais disputas terão de ser dirimidas no foro adequado, que, via de regra, nos contratos de compra e venda de energia elétrica do ACL, é inicialmente o tribunal arbitral escolhido pelas partes, nos termos da Convenção de Comercialização da CCEE, de aderência obrigatória por aqueles que participam do ACL;
(iii) em referência ao item (ii), recomenda-se que as partes negociem alternativas de manutenção de seus contratos, em busca do benefício de evitar litígios, os quais, via de regra, impõem ainda mais custos, consomem tempo significativo e, por mais que se acredite no direito deduzido perante o tribunal eleito para solução do caso, têm desfecho de difícil previsão, além de conduzirem a solução por terceiros, fora do controle das partes;
(iv) os contratos de compra e venda de energia elétrica no mercado livre, sejam eles pactuados entre quaisquer agentes do setor (geradores, autoprodutores, comercializadores, consumidores etc.), são instrumentos com características financeiras, visto que não pressupõem entrega física de mercadoria. Pelo contrário: os desbalanços são liquidados no mercado de curto prazo ao preço de Liquidação de Diferenças (PLD). Cabe ressaltar que caso o PLD estivesse acima do preço do contrato, dificilmente haveria denúncia de contrato, já que a sobra de energia seria liquidada gerando resultado positivo para o agente no Mercado de Curto Prazo – MCP no âmbito da CCEE;
(v) a discussão que se coloca é, portanto, financeira e se resume à diferença entre preço contratual e PLD, não a frustração da integralidade do preço contratual;
(vi) para ser eximido de obrigação por caso fortuito, um agente consumidor afetado deve comprovar, cumulativamente: (a) ter sofrido fechamento físico de seus estabelecimentos ou percebido efeito equivalente ao provocado pelo fechamento – como pode ocorrer com a redução da demanda provocada por medidas oficiais de confinamento, as quais, por impedirem a circulação de pessoas, inviabilizam o consumo e o comércio; (b) ter sofrido frustração de receita por efeito direto das medidas de quarentena e (c) não poder contornar a situação, o que inclui venda do excedente ou liquidação no MCP, ou demonstrar que a diferença de preço torna sua atividade insustentável;
(vii) a caracterização de caso fortuito é ainda mais difícil para comercializadores e geradores, ou seja, agentes que exercem a atividade de comercialização, pois possuem meios mais evidentes de contornar os eventos, o que pode esvaziar o requisito da “inevitabilidade” para caracterização do caso fortuito. Ademais, o risco de variação de preços e demanda pode ser
interpretada como inerente à atividade de comercialização de energia, caracterizando-se como álea interna de seu negócio; e
(viii) a incidência de eventuais cláusulas de caso fortuito deve ser limitada à vigência das respectivas medidas que ensejaram aplicação da cláusula, pois não se confundem os efeitos da pandemia e das medidas de quarentena com eventual recessão econômica de efeito possivelmente mais duradouro.
Atenciosamente,
Diretoria Executiva da ABRACEEL – Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica