Agência CanalEnergia, Colunistas, 09/05/2006
O PDEE deveria estimular o surgimento de alternativas para o aumento da oferta e, ao mesmo tempo incentivar reações também da demanda, reconhecendo a responsabilidade e dando poder e liberdade aos consumidores
Como outros agentes e associações, a Abraceel enviou uma contribuição ao Ministério de Minas e Energia sobre a proposta governamental para o Plano Decenal de Energia Elétrica 2006/2015. Nossa contribuição foi estimulada pelo sentimento, a partir de um seminário recentemente promovido pelo Canal Energia, no Rio de Janeiro, que importantes lideranças do setor ainda não enxergam com clareza o valor que o mercado livre de energia elétrica pode gerar para o setor elétrico e para a economia brasileira em geral. A retomada do processo de planejamento de longo prazo é uma iniciativa bastante importante, pois permitirá à sociedade amparar-se de forma mais adequada na hora de tomar as suas decisões e tentar planejar o futuro. O fundamental, entretanto, é que o Plano Decenal seja feito com os pés na realidade, listando criteriosamente as projeções que se oferecem para o setor elétrico e elencando alternativas para preservar o equilíbrio entre oferta e demanda. Para tanto, a crise no suprimento de gás natural, surgida em decorrência da nacionalização decretada pelo Governo da Bolívia, pode servir de exemplo.
Há muito tempo, a Bolívia vinha emitindo sinais que não estava satisfeita com a forma de exploração e com o preço do gás natural fornecido ao Brasil. A questão fez parte da plataforma de campanha do candidato eleito e só se surpreendeu com a iniciativa de nacionalização quem estava alheio ao mundo real. Agora, materializado o problema, está claro que perdemos tempo ao não explorar alternativas. Transplantando o raciocínio para o Plano Decenal de Energia Elétrica, o que temos? Que alternativas existem caso as premissas usadas nas definições do plano, e não só aquelas ligadas ao gás boliviano, não se confirmem no mundo real? Conforme a Abraceel deixou claro na sua contribuição, as premissas utilizadas na proposta original do Plano Decenal precisam ter a consistência permanentemente testada, pois há fortes indícios que sejam por demais otimistas, quanto aos prazos e custos de construção dos chamados projetos estruturantes, particularmente as usinas hidrelétricas do Rio Madeira e de Belo Monte e a nuclear de Angra III. Verifica-se igual otimismo nas disponibilidades de gás natural indicadas para as térmicas já existentes e futuras. Além disso, a potência reservada ao Proinfa é considerada na sua totalidade, quando se sabe que os projetos de energia alternativa têm encontrado inúmeras dificuldades para se viabilizar.
O próprio presidente da República parece não compartilhar do mesmo otimismo dos planejadores do setor elétrico. Em matéria do dia 5 de maio, do jornalista Fábio Couto, a Agência CanalEnergia registrou que o presidente, ao discursar durante a inauguração da usina hidrelétrica de Aimorés, previu uma série de liminares impedindo a construção dos principais projetos do Plano. Para ele, a construção de Santo Antônio (3.150 MW) e Jirau (3.300 MW), será uma guerra. Além disso, acredita, dificilmente será autorizada a construção de mais de 6 mil MW em Belo Monte. Adicionalmente, o presidente teria apresentado como restrição aos empreendimentos um possível conflito de natureza legal, ao afirmar que “o Ministério de Minas e Energia vai querer fazer as usinas, enquanto o Meio Ambiente vai exigir o cumprimento da lei. Neste Plano Decenal proposto pelo MME/EPE, verifica-se que impera a mesma filosofia que existia quando o sistema elétrico era totalmente estatal, ou seja, uma parcela significativa do crescimento da oferta contemplada no plano está associada a uns poucos projetos de grande porte. Estes projetos apresentam maiores dificuldades e custos associados a questões ambientais e de financiamento, de forma que a ocorrência de turbulências pode provocar sérios desequilíbrios entre a oferta e a demanda, resultando ora em sobrecustos desnecessários para a sociedade, ora em escassez de energia. A Abraceel é uma associação que existe há apenas seis anos. O primeiro contrato de comercialização de energia elétrica foi assinado há sete anos. O nosso segmento, portanto, tem um compromisso com o novo. No nosso entendimento, a filosofia do planejamento deveria considerar a capacidade de resposta da economia e da sociedade a sinais de preços, em especial sua habilidade para buscar o equilíbrio entre a oferta e a demanda, desde que os incentivos sejam corretos e os prazos envolvidos compatíveis. Assim, um MWh liberado para o sistema resultante de uma ação intensiva em eficiência energética, de mudanças nos processos produtivos, de autoprodução e outras alternativas, pode se mostrar a opção mais eficiente e de mais rápida implantação para o País. Mais do que uma proposta do setor elétrico – que na sua visão tradicional vê a demanda como um problema a ser resolvido – para a sociedade, o Plano Decenal, na opinião dos comercializadores, deveria ser algo mais inovador. Enfim, deveria ser algo como uma proposta da sociedade para o setor elétrico.
O Plano Decenal deveria estimular o surgimento de alternativas para o aumento da oferta e, ao mesmo tempo incentivar reações também da demanda, reconhecendo a responsabilidade e dando poder e liberdade aos consumidores. O plano deveria ir além da otimização elétrica e da otimização energética, criando condições para uma otimização econômica global, estimulando decisões descentralizadas, promovendo sinergias e incentivando a inovação e a criatividade no setor elétrico. Entendemos que é difícil mudar conceitos arraigados há dezenas de anos num setor tradicionalmente resistente a mudanças, como o de eletricidade. Mas acreditamos que essas mudanças são viáveis e possíveis de ser aplicadas. O setor elétrico, vale lembrar, tradicionalmente planejou, construiu e apresentou soluções, sempre repassando os custos para os consumidores, aos quais ofereceu a proteção e a liberdade de não se preocupar com a oferta de energia. Mas o mundo mudou. E o setor elétrico mudou junto. Apesar de que não se podem transplantar modelos bem-sucedidos, precisamos observar as melhores experiências em prática nas economias competitivas e refletir sobre nosso planejamento setorial e sobre a necessária atração de capitais privados para novos investimentos.
Por isso, entendemos que é oportuno perguntar se já não estamos passando da hora de ver que os consumidores talvez queiram uma outra forma de liberdade. Aquele tipo de liberdade associado às responsabilidades e aos riscos, mas também às oportunidades de participar mais diretamente da construção do seu próprio futuro. O governo, que tem dado sinais tão positivos para o setor elétrico, como foram as cinco indicações que apresentou para diretoria da Aneel, precisa estar agora cada vez mais focado no equilíbrio entre oferta e demanda de energia. O mercado livre de energia e o segmento de comercialização estão prontos para desempenhar um papel cada vez maior nesse importante desafio para o país. Na nossa opinião, o Plano Decenal, por isso mesmo, deveria se caracterizar não pelos aspectos determinativos. Ao contrário, deveria ser uma peça flexível, levando em consideração o segmento do consumo e o empreendedorismo privado, de modo a permitir e até a induzir a busca de soluções que resultem no menor custo global para a sociedade, melhorando a sua eficiência, assegurando o melhor equilíbrio possível entre modicidade tarifária e segurança da oferta e contribuindo para a competitividade da economia e para a inclusão social. Paulo Pedrosa é presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica)